Quando passa na rádio, muda de estação. É que não suporta ouvir aqueles versos, declamados por quem afirma não ter escolha e nada mais lhe restar a não ser esperar. "How can I move on when I'm still enlove with you". Desprezível. Seguir em frente não é uma opção, é uma inevitabilidade, que palermice vem a ser esta. E aliás, ninguém merece não viver a sua vida.
No correr dos seus dias não podia estar mais longe desta utopia romântica que a canção apregoa. Buraco no seu mundo uma ova, prefere sem dúvida os buracos nos sapatos. Ninguém ama assim, um amor assim não existe, ponto final. Se existisse seria ainda mais ridículo do que todas as cartas de amor ridículas do Fernando Pessoa, mais trágico do que a mais trágica das tragédias de Shakespeare, e toda a gente sabe que isso não é possível. Este não-sei-quantos que inventou esta cançãozeca (que daqui a dois dias já ninguém se lembra quem é), não se vai com certeza comparar a verdadeiros entendidos destas coisas do amor e do romantismo, como são Fernando Pessoa ou Shakespeare, e isto só para dar dois nomes, haja ordem nisto, quer dizer.
A esquina onde o encontrou pela primeira vez, já não se lembra onde é, nem lhe interessa. Não pretende acampar lá nem sonha com o dia em que a ele lhe dê jeito voltar ao mesmo local de sempre. Não lhe oferece de bandeja essa satisfação. Segue em frente, todos os dias um lugar diferente, há os amigos, há coisas para fazer no trabalho e há as coisas para fazer nos tempos livres, há namorados novos, e quando não os há, há ela própria bastando-se a si mesma com tudo o que faz e que construiu, depois que ele a deixou parada numa esquina igual àquela em que, o tal homenzinho idiota, está parado à espera.
Um amor assim não existe. É por isso que odeia a tal canção, e é isto que grita à parte de si que está emparedada no fundo da masmorra, no buraco mais fundo e obscuro de si própria. Que um amor assim não existe.
Esse eu que está encarcerado, de tanto ouvir falar no ridículo do amor, acabará por morrer à fome e um dia será apenas mais um cadáver arrumado num armário. O eu encarcerado é aquele que está disposto a esperar. Mesmo sabendo que todos os outros eus caminham, espera, mesmo percebendo que não há esperança, espera, porque não encontra outro sentido em si mesmo que não seja esperar. Por enquanto, não se lhe pode dar a ouvir "the man who can't be moved".
De portas trancadas pela firmeza das suas convicções, ela não tem dúvidas que a canção é ridícula e fala de coisas que não existem. Porém, nas noites mais longas, a maldita música ecoa dentro de si mesma mais do que gostaria e muitas vezes fá-la rebolar na cama, sem que consiga dormir.
À superfície, surgem então as lágrimas que não se conseguem conter.
No fundo da masmorra, monta-se a tenda para mais uma noite passada ao relento.
* Inspirado em "The man who can't be moved", dos The Script,
e nos amores ridículos do dia-a-dia.