segunda-feira, junho 16, 2008

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Cenário:
Bomba de gasolina, de volta da maquineta que dá ar aos pneus.

Personagens:
Um gajo (ele) e uma gaja (eu), mais dois gajos, mais uma outra gaja com o filhote. E respectivas bicicletas, todas a precisarem do mesmo, ou seja, dar ar aos pneus.

Acção:
Os dois gajos já lá estavam quando chegámos. O meu gajo entabulou conversa com os outros, muito mais experientes nesta coisa de andar de bicicleta ao fim-de-semana do que nós, e ao fim de pouco tempo estava em curso conversa animada entre gajos sobre bars e outra coisa que já nem me lembro como se chama, valores inscritos nos pneus, valores a inserir na máquina, e uma coisa absolutamente misteriosa chamada "calibragem automática".

A senhora e o filhote chegaram entretanto com o mesmo objectivo e ela colocou-se a ouvir a conversa na expectativa de perceber alguma coisa. Veja-se a pequena diferença entre estar com gajo e estar sem gajo. A minha postura era totalmente diferente. Estava numa de, está aqui a bicicleta, vocês conversem lá isso, eu quero é os pneus rijinhos para quando for andar. Estivesse eu sem gajo e estaria tão à rasca quanto estava a outra senhora, a tentar ler letras e números escritos em pneus que nunca reparámos que lá estão, nem para que servem, nem o que é que dizem.

Às tantas diz a senhora, meio a desabafar, meio num tom tipo estou-mesmo-a-ver-que-não-me-desenrasco: "mas não se pode marcar um valor qualquer na máquina e está a andar?...". Como a compreendi naquele momento. Os gajos lá lhe explicaram que era melhor não, e que tinha que ser um valor igual ao que estava indicado no pneu, e assim. E a senhora ficou a contas com a máquina, aposto que se desenrascou a pôr um valor qualquer e está a andar, que era exactamente o que eu teria feito se estivesse no lugar dela.

Passeando de bicicleta, diz o meu gajo: "então mas não é óbvio para qualquer pessoa que os pneus não possam levar todos a mesma quantidade de ar?". E continua, "é que isto não é o mesmo que lavar a cabeça, em que serve um champô qualquer..."

Reflexão:
Lá está, pensei eu. Assim de repente, num Sábado de manhã que nada mais fazia prever do que um passeio de bicicleta, eis que surge, cristalino, um profundo exemplo de relevância filosófica sobre esta coisa premente que é a diferença de género. Eles até podem ser muito bons a colocar o ar adequado nos pneus. Mas são totalmente incapazes de reconhecer o champô adequado ao seu tipo de cabelo.

Conclusão:
(...) Taditos.

terça-feira, junho 10, 2008

Get Carried away

Fui ver o "Sexo e a Cidade". E se já me estava a borrifar para os críticos neo-velhos do restelo antes de ver o filme, depois de o ver então... "I curse the day you were born!", é o que tenho para vos dizer, meus caros, e ilustro o meu comentário por um gesto típico da Samantha Jones (piada apenas compreensível para quem tiver visto o filme).

Dizem que o filme é outro episódio mais longo, e pergunto eu, que mal tem isso? Para mim foi um prolongamento do prazer, foi um mudar de posição em vez de "despachar a coisa duma vez". A quem preferir a segunda possibilidade à primeira, o melhor é ir de urgência fazer depilação e repensar as suas prioridades! (outra piada apenas compreensível, e tal e tal).

É um tremendo dum desfile de moda. Cheio de coisas que sim senhor, e de outras tantas que valha-me-deus-o-que-é-aquilo. E com montanhas de sapatos, pois é. Mas convenhamos, um príncipe dos nos nossos tempos, de certezinha que nos mandava fazer um armário daquele tamanho. Encantador, simplesmente encantador. O armário. E o Mr. Big, sempre, raios o partam.

De resto, o filme declara a rotina como o inimigo n.º 1 das relações. Diz-nos que em nome destas, nunca poderemos deixar de ser quem somos, nem tão pouco esperar que os outros se tornem naquilo que não são. Fala-nos de amizade e de amor. De risos e lágrimas por conta de uma qualquer parvoíce. É mais do mesmo? Que seja. Pois se não é de tudo isto que se fazem os sonhos? E não é disto tudo que se fazem os filmes?...

"Life doesn't allways turn out to be your fantasy. That's why you need friendships that are real, to get you through it all."

PS1: E a banda sonora? Fabulosa!...

PS2: Mais em www.sexandthecitymovie.com

terça-feira, junho 03, 2008

Aquilo

"A defesa da moral pública ou dos ditos bons costumes foi, durante muitos anos, pretexto para a repressão dos cidadãos no seu quotidiano. No início dos anos 50, o beijo na boca quase só era permitido no altar, entre recém-casados (...).

A postura municipal da Câmara de Lisboa, n.º 69 035, de 2 de Janeiro de 1953, regulando o policiamento de logradouros públicos e zonas florestais, constatava que, apesar do frio, se verificava «o aumento de actos atentatórios à moral e aos bons costumes, que dia a dia se vêm verificando nos logradouros públicos e jardins (...)».

Determinava, por isso, «à Polícia e Guardas Florestais uma permanente vigilância sobre as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que atentem contra a moral e os bons costumes» e estabelecia uma curiosa tabela de multas.

A saber:
1. Mão na mão ............ 2$50
2. Mão naquilo ............ 15$00
3. Aquilo na mão ............ 30$00
4. Aquilo naquilo ............ 50$00
5. Aquilo atrás daquilo ............ 100$00
§ único - Com a língua naquilo: 150$00 de multa, preso e fotografado."

António Costa Santos, "Os Anos de Salazar", Vol. 10

Fico a perguntar-me (entre as muitas dúvidas que esta tabela de multas me suscita): era fotografado enquanto ainda tinha a língua naquilo, ou já depois de a ter tirado?...

segunda-feira, junho 02, 2008

Ser e Tempo

Nos meus tempos de faculdade, dediquei-me especialmente ao estudo de Heidegger. Encontrei nos seus escritos várias coisas que para mim fizeram muito sentido, em contraponto a outros autores cujos escritos nunca me fizeram sentido nenhum (limitações minhas, não deles, certamente).

Faz sentido para mim, por exemplo, que o que determina o nosso percurso pela vida seja a nossa consciência de que vamos morrer. Não fôssemos nós mortais e o nosso projecto seria, de certeza, completamente diferente daquilo que é. O tempo determina a nossa existência (e a nossa essência?), sem Tempo não há Ser.

Carpe Diem, dizem-nos os poetas, e a gente vai tentando. Aproveitamos o dia ao máximo, ou pelo menos adormecemos convencidos de que foi isso que fizémos, e olhamos confiantes para a linha do tempo que se estende à nossa frente, para o projecto de vida que queremos concretizar, um dia de cada vez, nesta coisa maravilhosa de deixarmos de ser aquilo que já fomos, para nos transformarmos naquilo que havemos de ser, e no entanto, sendo iguais a nós próprios a cada passo do caminho. Mesmo sendo a morte o único facto verdadeiramente incontornável da nossa existência, nada nos prepara para que essa linha do tempo não cumpra, vá lá, os mínimos obrigatórios.

A verdade é que às vezes não cumpre. Olhamos para o lado e vemos linhas do tempo partidas em momentos ridículos, cretinos, bons projectos de vida que se dão por terminados, sem contemplações ou margem de negociação.

E então pensamos, há que aproveitar bem o dia, realmente. Não, é claro que não é tudo maravilhoso apenas pela graça de estamos vivos. O trânsito é uma merda, o trabalho esgota-nos mais do que devia, os combustíveis estão caríssimos, só comemos porcarias e não dá nada de jeito na televisão. Mas para nós ainda há tempo. A nossa linha é tão frágil como outra qualquer, mas por enquanto, por enquanto, temos o nosso projecto nas mãos. Ainda há Tempo para Mais Ser. É aí que reside a diferença.

Para muito boa gente, esse tempo foi curto demais para tudo o que podiam e queriam ser. Acredite agora quem quiser no sentido oculto das coisas, ou em alternativa, que as coisas não têm sentido oculto nenhum.