sábado, setembro 25, 2010

A geografia das emoções

A questão essencial é que voltei à escola e a semana que passou foi a primeira de aulas. Um mestrado há muito desejado, demasiadas vezes adiado e agora, finalmente, encarado de frente, para levar até ao fim.

A outra questão essencial é que voltei a estudar, não na minha querida Faculdade de Letras, mas numa outra Universidade nas imediações, o que significa que, não só voltei a estudar, como voltei a estudar regressando praticamente ao mesmo espaço geográfico, na Cidade Universitária, que me é muito querido e que, às vezes sem que eu me dê conta ou lhe dê o devido valor, na verdade me tocou muito fundo no coração.

De moldes que andei nisto de me deslocar para a Cidade Universitária, vivenciando esta coisa da geografia das emoções, a saber, que chegando nós a um espaço ele nos faz lembrar de coisas há muito esquecidas, e por isso o meu cérebro tem-me oferecido memórias de amigos que nunca mais vi, pormenores distintos de episódios passados nos corredores, nos bares, nas bibliotecas, enfim. Boas recordações.

Porém surgiram outras emoções também. As aulas iniciaram esta semana para todos. Eu, de dentro do meu carro, parada no trânsito e atrasada para chegar ao destino, vou olhando com algum paternalismo para os caloiros de cara pintada e os supostos alunos seniores trajados a rigor, tudo na rua, bebendo cerveja, dizendo e fazendo disparates. Eu passo e o meu cérebro faz-me pensar, porra. Sim, porra pode ser o resultado de um pensamento perfeitamente lógico e dedutivo. Porra, pensava eu. São todos tão novos. Parecem crianças. Não, são mesmo crianças. Então, passo à frente da Faculdade de Letras e fico com uma sensação estranha de que algo não bate certo. Mas o quê? Ah, já estou a ver. O que me causa estranheza são aqueles miúdos pequenos que estão a subir as escadas para entrarem na minha Faculdade. E aqueles outros recém-nascidos além que estão a sair de lá de dentro. Eles entram e saem e parece que vieram todos só fazer uma visita de estudo para cá voltarem um dia, quem sabe...

Um pouco mais à frente vejo edifícios novos que antes não existiam, parques de estacionamento gigantes a pagar (ladrões!) e digo de mim para comim, tem lá calma contigo, mal seria se tudo estivesse exactamente igual ao que estava quando para cá vieste a primeira vez, há... há...

E foi nesta altura que o meu cérebro, literalmente, me deu um murro no estômago. Quando me deu a noção exacta de que o meu primeiro ano de Faculdade foi há vinte anos atrás. Porra.

É claro que outras partes do meu cérebro começaram logo a tagarelar (o nosso cérebro em auto-defesa também é uma coisa muito gira). Então e isso que tem, nem é tanto tempo assim, quantos não passaram por cá também e nunca voltaram, teres esta força de vontade é sinal de vitalidade e até de alguma juventude, e todo um enorme blá, blá, blá, que entretanto, infelizmente, deixei de me conseguir ouvir porque já ia a pé a caminho da escola e passava por mim um cortejo de meninos do infantário, encabeçados por uns miúdos da primária vestidos de negro, que faziam todos muito barulho.

De maneiras que passei esta primeira semana muito contente, sem dúvida, mas também a sentir-me, julgo que pela primeira vez na minha vida, verdadeiramente, incomensuravelmente, velha, velha, velha.

A questão essencial desta semana resume-se afinal a isto: vinte anos. Porra.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Episódios dispersos das férias #4

Tomai cuidado, gente incauta, que nas praias da Costa Alentejana, aos fins-de-semana, circulam pelo areal perigosos hipnotizadores. Atraem-nos com os seus cânticos, subjugam-nos à sua vontade e levam-nos a práticas que vão contra os nossos princípios mais sólidos.

Esvaem-se em fumo, esses princípios, misturam-se na areia e são levados pelo mar, e tudo o que resta é aquela música hipnotizante, que percorre a praia e nos faz correr contra a nossa vontade:

Boliiiinhaaaaas! Boliiiiiiiiiinhaaaaaaaaas! Olha a bolinha de berliiiiiiiimmmmmm!!!

Patifes.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Episódios dispersos das férias #3

Alguém saberá talvez explicar-me que lei de Murphy é esta entre as mulheres e os carros, ou, hipótese mais horripilante ainda, entre os carros e eu?

Explico: há exactamente 5 anos atrás percorri a Costa Alentejana com o meu companheiro. A bordo de um vulgaríssimo Fiat Punto, percorremos caminhos e caminhos, de uma ponta a outra ponta, circulámos por sítios que hesito até em chamar de caminhos. Muitas vezes pensando, ponto 1, vamos ter um pneu furado aqui no meio do nada, ponto 2, vamos ficar atascados porque aquilo é só areia e depois estou para ver quem é que empurra o carro daqui para fora, ponto 3, ao virar daquela curva não há mais nada, é um abismo e vamos direitinhos por ali abaixo, ver a Costa Alentejana mesmo, mesmo, de perto. O que é que nos aconteceu? Rigorosamente nada.

Eu, super-orientada graças ao meu gps (o meu sentido de orientação, melhor dizendo, a ausência do mesmo, a seu tempo terá direito a post próprio), entro numa estradinha de terra batida perfeitamente normal, para aceder a uma das praias mais frequentadas, acontece o quê? Uma coisa espetada no pneu, pois claro. Mas assim, logo da primeira vez que saí do asfalto, não houve cá contemplações!

O meu santo foi forte, porém. A coisa espetou e impediu o ar de sair. Só dei por ela quando ia a 100kms/hora (já no asfalto, nada de maluqueiras) e ouvia persistentemente um flap, flap, flap bastante incomodativo. Mais tarde o condutor do Fiat Punto que este ano ficou em casa fez-me um ultimato pelo telefone no sentido de eu ir a uma oficina resolver aquilo. Que não sei quê de pneus a rebentar e mais uma série de incongruências que se resumiam a, tens que ir à procura de um gajo que te trate disso.

Mulheres deste mundo que tal como eu decidiram que jamais na vossa vida irão trocar um pneu a um carro: alguém já viu o horror que é um pneu furado? O gajo tirou o prego, ou lá o que era aquilo, e o pneu começou a, a, esvair-se, coitadinho. Como é que se resolve? Aumenta-se o buraco à bruta, enfia-se um bocado de borracha lá para dentro com um instrumento parecido com uma agulha de esmirna (a sério, o método é tal e qual como o de fazer os tapetes), depois ficam as pontas do lado de fora, cortam-se, rectifica-se a pressão e pronto, vá à sua vida.

Posso ficar descansada, perguntei eu, mesmo sabendo da inutilidade da pergunta, que o gajo jamais iria responder, não tenho bem a certeza, se fosse a si ia antes a outro lado para confirmar se isto está bem feito... Olhou-me de lado, e respondeu, paternalista, pode ficar descansada. Mas eu dei-lhe luta. Perguntei logo de chofre, armada em engraçadinha e a ver se o apanhava em falso, para o resto da vida?... Olhar passou de paternalismo para desprezo. Para o resto da vida do pneu, respondeu ele.

A sério, este pragmatismo masculino seria coisa para exasperar uma mulher.

Não fosse o caso de eu ter acabado de o ver reparar um pneu furado COM UMA AGULHA DE ESMIRNA!

Pfffffffff!...

terça-feira, setembro 07, 2010

Episódios dispersos das férias #2

Ficai a saber que o aparelho que melhor serve o objectivo de uma garota se divertir sozinha é, sem a menor sombra de dúvida, este.

Hein? Pensavam que fosse o quê?...

segunda-feira, setembro 06, 2010

Episódios dispersos das férias #1

Primeira noite. Janelas abertas, que a noite estava quente. Lá fora, apenas o ruído dos grilos cortava o silêncio, todo o espaço ajardinado envolto em calma e paz, convidando ao descanso. As pálpebras começavam a pesar e os pensamentos sucumbiam lentamente ao som dos grilos, quando de repente: Miau. E logo a seguir, outra vez: Miau. E de novo: Miau. Miau. Miau. E pela noite fora assim foi, até que o cansaço acabou por vencer e até os miaus serviram para embalar o sono.

Na noite seguinte, à chegada à hospedaria já depois do jantar, de novo os miaus se faziam ouvir, tristes, lamentosos. Ora eu no que toca a gatos, sou uma sentimental. Quando o dono do estabelecimento me disse que o miau vinha do topo de uma árvore frondosa, comecei a lacrimejar. Então o pobre bichano estava encurralado no topo da árvore desde a noite passada? Um gatinho pequenino sem capacidade para se defender, coitadinho, provavelmente sentindo falta da mãe e dos restantes irmãozinhos, prestes a sucumbir ao pavor, à fome e à sede? Ajoelhei aos pés do estalajadeiro e supliquei clemência para o bichaninho que, no topo da árvore, continuava a cortar a noite com os seus miaus cada vez mais angustiados, sobretudo porque a luz da lanterna devia estar a incomodar-lhe os frágeis olhinhos.

Ok, talvez esteja a dramatizar um bocadinho. Não me ajoelhei nem supliquei, mas devo ter feito uns olhos semelhantes ao do gato das botas no Shrek e o dono da hospedaria foi gentilmente buscar uma escada para tirar o gato da árvore. Ou isso ou levou em consideração que eu não parava de miar ao gato para ele responder, pelo que começava a perspectivar-se uma noite negra em que, já não bastaria ter um gato a miar, quanto mais um gato e uma mulher maluca, os dois a miarem ao desafio. Enfim, fosse por pena do animal, fosse apenas para evitar que os outros clientes, na manhã seguinte, começassem a procurar alojamento noutro sítio, o senhor lá subiu ao escadote para salvar o gatinho da morte certa.

Mal lhe tocou com a ponta dos dedos, o bichano literalmente voou da árvore abaixo, desatando a correr pelo relvado e fugindo pelo portão para a rua, o que me deixou sinceramente aliviada pelo gato finalmente liberto, mas também um pouco na dúvida sobre a sua real incapacidade para sair da árvore quando bem lhe apetecessse. Já o dono da hospedaria parecia não ter dúvidas nenhumas. Fiquei desconfiada disso por conta de um certo enfado na voz quando me disse, Vou arrumar o escadote, boa noite e até amanhã.

Enfim, eu estava contente e mais descansada. Fui para o meu quarto feliz com o desfecho do episódio. Quando me deu o sono deitei-me e dormi, desta vez apenas embalada pelo som dos grilos.

Seria talvez uma hora da manhã quando acordei de novo. Os grilos tinham-se calado.

- Miau.

domingo, setembro 05, 2010

Férias a solo

Por um conjunto de circunstâncias várias, a opção este ano ficou-se entre passar mais um Verão em que o período de férias maior seria passado em casa, do sofá da sala para o computador e vice-versa (o que até não é mau por um período de alguns dias, mas convenhamos, depois começa a chatear) ou, em alternativa, fazer férias sozinha. Segui pela primeira vez a última possibilidade, fiz as malas e lá fui eu uma semana para a Costa Alentejana.

A grande vantagem de estarmos muito tempo sozinhos é que podemos por a conversa em dia connosco próprios. É uma coisa que me parece continuar subvalorizada, desde os tempos de Sócrates (não, não é esse, é o outro), basta ver que o homem levou a vida a dizer "conhece-te a ti mesmo" e ver depois o que lhe aconteceu. Adiante, a mim fez-me muito bem a estadia e a conversa, partindo é claro do princípio que não me vai acontecer o mesmo que aconteceu ao Sócrates (sim, continuo a falar do mesmo).

Para além de um volume significativo de roupa para lavar, vim de lá com novas energias e um conhecimento factual do que foi bom e menos bom nisto de estar de férias sozinha. Com a generosidade que me é característica, mas sobretudo porque estou a fazer tempo para ir tomar banho, passo a descrever as vantagens e as desvantagens.

Ir de férias sozinha é bom porque:

- Fica-se na praia o tempo todo que nos apetecer. Mesmo todo, tipo, até ser de noite e começar a fazer um ventinho frio que nos põe a bater o dente. Sem ninguém que, 2 horas antes de nos apetecer vir embora já está a ladainhar Quando é que vamos embora? Já estamos aqui há horas. Vamos embora... Ainda vais tomar banho? Eu já não vou tomar banho. Se já não vamos tomar banho o que é que estamos aqui a fazer?... Vamos embora.... And soion and soion.

- Não se perde tempo às voltas com o carro à procura de um lugar para estacionar mesmo à porta do restaurante/praia/loja/seja onde for quando duas ruas mais abaixo há resmas de lugares disponíveis, sendo apenas necessário andar a pé 20 metros, se tanto.

- No seguimento do item anterior, percorrem-se calmamente a pé ruas, ruinhas e ruelas só para ver onde é que vão dar, mesmo que seja para concluir que não vão dar a lado nenhum em especial, apreciando as casas só pelo prazer de as ver e imaginando como seria ter uma delas, ali mesmo à beira da praia.

- Enfia-se o nariz em tudo o que são lojas de artesanato, roupas, lembranças, curiosidades e quinquilharias de um modo geral, em alguns casos mais do que uma vez, eventualmente até tomando a decisão de comprar alguma coisa, sem aquela pressão de olharmos para o lado e vermos o nosso companheiro de mãos nos bolsos a olhar o vazio e com uma cara de desespero que nos diz Estou a sofrerrrrrrrrrrrr!.................

- Lê-se muito. As saudades que eu tinha de ler um livro do princípio ao fim! Recomendado aqui, li isto com muita, muita satisfação e acabou por ser a melhor companhia possível nas manhãs e tardes que passei estendida ao sol.

Porém, ir de férias sozinha é mau porque:

- Chega-se a hora de sair para almoçar e jantar, e há qualquer coisa de melancólico em entrar num restaurante e dizer que é só uma pessoa e uma mala grande para sentar, se faz favor. Eu vivo sozinha, comer sozinha é o pão nosso de cada dia (olha que coisa tão apropriada, está giro), mas estar de férias e ter a cadeira à nossa frente vazia, sem ninguém com quem conversar, devo dizer, é uma bela merda.

- Numa zona tão pródiga em praias escondidas, cada uma com as suas belezas peculiares, esqueçam. Praias isoladas perdem todo o seu encanto quando se está sozinha. Eu fui lá, atenção. Mas chegando lá, começaram a surgir pensamentos do tipo, então e se agora me aparece aqui alguém mal intencionado? Então e se eu entrar no mar e me engasgar ou torcer um pé, quem é que me vale e quem é que sabe que estou aqui? A vaca que está lá em cima a pastar e me viu estacionar o carro não me pareceu ser muito dada a intrigas. Comecei a lembrar-me da Bridget Jones e do seu receio em que a encontrassem um mês depois de morta, meio comida por lobos da alsácia, agarrei nos trapinhos e voltei para as praias vigiadas, repletas de gente barriguda e crianças barulhentas. Estava-se melhor.

- Não há sexo. Quer dizer, isto é claro decorre de uma opção individual, se eu quisesse sexo tinha-o arranjado, já para não falar do próprio onanismo, que está no fundo dentro do espírito socrático e, como tal, na minha opinião devia ter mais reconhecimento pelo valor que tem. Mas partindo do princípio que ir para outro lado não significa ser outra pessoa, o facto é que não há sexo. E não haver sexo, especialmente quando se está de férias, fisica e psicologicamente disponível é, também, uma grande merda.

- Não há ninguém que nos chame à razão e trave as idas demasiado frequentes à gelataria, não há ninguém que nos espalhe creme nas costas, não há ninguém que chame a atenção para as coisas em que não reparámos mas que teríamos gostado de ver, se as víssemos.

- Não há partilha. E quando damos por isso, instalou-se uma saudadezinha irritante das coisas que diariamente nos irritam e nos dão vontade de estarmos sozinhos. Ou seja, estar sozinha de férias fez-me ter saudades de andar irritada. Sinceramente, essa parte foi uma coisa que me irritou um bocado.

Seguir-se-ão nos próximos dias alguns posts mais breves (ficai descansados) sobre pequenos episódios que me foram acontecendo. Mas no essencial é isto.

Em circunstâncias semelhantes, voltarei de certeza a ir de férias sozinha.

Irei já com o conhecimento de causa, de que a experiência é bastante melhor do que se espera, não sendo tão boa quanto se imagina.