quinta-feira, fevereiro 28, 2008

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Em regra não costumo fazer nada especial neste dia, e para todos os efeitos é um dia como os outros, mas na verdade não é. Porque no meio das felicitações, do aconchego dos amigos mais próximos, do beijo do pai e da mãe, nunca deixo de meditar um pouco mais profundamente sobre o meu percurso de vida, aquilo que sou, e o que tenho ainda pela frente.

É um aniversário em ano bissexto, e estou de muito bem com a vida. Há que aproveitar esta fase tão boa, porque em boa verdade não sei se alguma vez estive tão realizada em tantos aspectos ao mesmo tempo: pessoal, familiar, profissional. Sinto-me inteira. E estou capaz de seguir em frente para outras coisas, porque ainda é muito cedo para calçar as pantufas.

Ainda pensei em dizer mais umas tantas coisas, mas em boa verdade não iria dizer muito mais do que isto: hoje estarei bem perto daqueles que me saboreiam o doce e o amargo ao longo de todos os dias de cada ano. E sei que os meus motivos de celebração também são os deles, e vice-versa. Isso é tudo o que importa. Muito obrigada a todos vós, porque são a minha estrutura.

E embora num outro nível, obrigada também a todos e todas os que passam por aqui, e que acabam por fazer também parte dos meus dias, quantas vezes com a sensação de que já somos velhos amigos... :-)

domingo, fevereiro 24, 2008

Chocolate a dar com um pau







Que isto, nem tudo pode ser trabalho. Hoje o dia passou-se em Óbidos, entre alguns amigos, uma vista magnífica (que a chuva infelizmente não deixou explorar como deve ser), e autênticas overdoses calóricas.


Foi a primeira vez que fui a Óbidos, e tenho a certeza que não foi a última. Da próxima vez pode ser com menos chocolate, mas por hoje, as "espetadas" de frutas envoltas em chocolate, a ginja dentro do copo de chocolate, entre outras coisas começadas por "c", acabadas em "e" e com "hocolat" pelo meio, deixaram este dia mesmo muito doce. E ligeiramente nauseado para o final do dia, mas nada que não se possa combater à base de água com gás.

PS: A foto aqui de cima foi também colocada com o propósito de me lembrar na próxima semana do tamanho em que o meu cabelo já estava, antes de eu decidir debastá-lo sem dó nem piedade. Isto é claro, se não chegar a mudar de ideias antes desta Quinta-Feira!...

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Água

Vivi toda a minha infância e adolescência numa casa pequenina e muito degradada, que hoje em dia já não existe, e da qual guardo as melhores e as piores lembranças. Recordo-me perfeitamente da pior de todas: a água que teimava em pingar do tecto do meu quarto, por cima da minha cabeça, enquanto eu dormia. Até ao ponto de um fenómeno ainda hoje por explicar, que foi o de, desviada a cama no minúsculo quarto para evitar a goteira por cima da cabeceira, a água deixasse de aparecer do lugar onde aparecia de início para voltar, teimosamente, a pingar por cima da almofada.

Lembro-me doutra ocasião em que foi preciso abrir sulcos no chão (dessa vez resolveu aparecer por esse lado) e da sensação de desalento e desconsolo que era ver aqueles circuitos de água a fazer-me sentir que estava pouco menos do que na rua. E lembro-me do rosto do meu pai nessa época, e dele a subir ao telhado para ver se havia telhas partidas, e a pôr lonas por cima do telhado, e a cavar os sulcos no chão de cimento. Ele punha uma expressão que eu não entendia na altura mas que hoje percebo melhor, que era a cara de um pai que tinha uma casa que metia água pelo quarto da filha, e isso ser o melhor que se podia arranjar.

Agora que penso nisso acho que me ficou alguma coisa de trauma em relação a esses tempos. Naquela altura, o mais simples aguaceiro representava para mim algo de negativo e motivo de angústia, e ficava ali a torcer para que parasse depressa, antes que descobrisse o caminho para o meu espaço. Esta angústia permanece até hoje. Não gosto de chuva. Bole-me com os nervos. E acho que vai ser assim para todo o sempre.

Curiosamente, ainda não consegui ter nenhuma casa onde o problema de lá entrar água não se coloque. Na que tinha anteriormente, a marquise mal amanhada e já ressequida pelo sol, deixava entrar água quando ela vinha tocada a vento. Era um desconsolo. Actualmente, são os bidés das casas de banho que devem ter alguma coisa nos canos a entupir, e quando são usados, lá vem uma pequena, porém irritante, quantidade de água, destruir o meu refúgio, que ser quer aconchegado e principalmente, seco.

(Que isto são doces comparado com o que aconteceu a muitas pessoas hoje. Longe de mim. Mal por mal, nunca tive que ir com a roupa do corpo dormir sabe-se lá onde. Adiante.)

Hoje também foi dia de muita água. Sozinha dentro do carro, passei lençóis de água sempre a acelerar e a rezar para que o carro não me falhasse, levei horas intermináveis nas filas de trânsito, e enquanto olhava para fora e via carros e mais carros, toda a gente parada, e a chuva, maldita chuva cada vez mais violenta, o sentimento que surgiu foi o daquela mesma angústia do tempo em que acordava de noite, com a água a molhar-me a cama.

Passada a borrasca, paragem na casa dos pais para cumprimentar e contar as desventuras do dia. Manifesto a apreensão, de certeza que infundada, de que ao longo do dia, a água tenha subido para dentro de casa, afinal é um rés-do-chão e os bidés andam armados em parvos. Falo no assunto de modo despreocupado, é só um pequeno receio, nada objectivo o faz esperar, a casa é quase nova. Mas sei que o que fala cá mais fundo é esta angústia que nunca mais desapareceu totalmente, e me faz andar de janela em janela sempre que começa a cair com mais força, pelo sim pelo não.

Já de mão na porta para sair, o pedido veio da sala inevitável, "depois quando chegares, diz qualquer coisa". Quando cheguei as apreensões dissiparam-se e fui de imediato dissipar as dele, que estava tudo bem, fica descansado.

De maneiras que por hoje, pai, apesar da muita água que caiu, podemos mandar calar o nosso pequeno trauma. A angústia que ambos conhecemos tão bem vai poder dormir descansada, porque a água permanece do lado de fora, enquanto que nós estamos secos e a salvo, do lado de dentro.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Ser diferente

Não ser capaz de alinhar com o rebanho em que se nasceu. Haverá maior provação do que essa?

Se estás destinado a ser carpinteiro tens que ser carpinteiro e mais nada, escultura é coisa para maricas. Desde quando é que os serventes de pedreiro se põem a desenhar casas? Se nasceste no meio de analfabetos para que te agarras aos livros como se fossem a coisa melhor do mundo? Se aqui toda a gente arrota e dá traques à mesa, para que te pões tu com esses modos de senhora chique, a virar a cara para o lado?

E então fica-se a um canto da sala, a congeminar outros mundos que não aquele a que se está confinado. No dia de Carnaval os outros põem as máscaras, a sua fica agarrada à cara o ano inteiro. Passam-se muitas horas em silêncio, a sós com desejos e sonhos e raivas e medos, tantos medos, tantos. A casa é pequena e tem tectos baixos, obriga a andar curvado. Mas é uma casa, e nunca nos vai abandonar, se não a abandonarmos. Fora dela é a escuridão, o vazio, o desconhecido.

O diferente.

Quantos não ficam vergados por esses medos e se deixam ficar, num esforço eterno para alinharem com o rebanho onde, por fatalidade ou desafio divino, foram parar. Quem os poderá censurar, a solidão custa tanto a suportar.

Outros porém, não conseguem lidar com esta insatisfação. Aceitam a solidão como boa companheira e desalinham do rebanho. Colocam uma nova máscara, feita de bom-humor perante a incompreensão, indiferença face à rejeição. Revestem-na com determinação, para assegurar que a parte da frente não se desmorona. E com ela caminham, à procura dos mundos que lhe pertencem, não por nascimento, mas pela vontade de mais Ser.

Para os que caminham, para os que ficam parados, a provação é grande e o preço a pagar é elevado. Em dia de Carnaval tiram as máscaras e choram baixinho a dor das escolhas que ficaram por tomar.