terça-feira, junho 28, 2011

Com 75 e 79 anos de idade...

... A minha mãe e o meu pai continuam a dar-me lições de vida. E a encherem-me de orgulho. :-)

sábado, junho 18, 2011

Sobre a morte de um amigo ou Nunca deixamos de ser crianças com medo do escuro

É verdade que em algumas coisas na vida tenho tido muita sorte. Noutras nem tanto, o que no fundo faz de mim uma pessoa perfeitamente igual a tantas outras, apenas mudam as coisas nas quais uns têm sorte e outros nem tanto. Por exemplo, eu tenho tido muita sorte na minha vida profissional. Sim, claro, tenho trabalhado para isso e não sei quê, a sorte dá trabalho, tá bem tá bem, mas eu cheguei aos dias de hoje sem nunca saber o que é estar desempregada. Sem saber o que é não ter perspectiva de emprego. E isto a mim, especialmente nos dias de hoje, parece-me algo que não posso ignorar e muito menos desvalorizar.

Tenho tido menos sorte no que toca a relacionamentos, por exemplo. A esse nível, como diz a canção do Rui Veloso, má fortuna, erros meus, de tudo um bocadinho se calhar, tem levado a uma existência menos feliz, mais sofrida.

Outra coisa na qual tenho tido uma sorte tremenda: cheguei quase aos 40 anos de idade sem saber o que era morrer-me alguém de quem eu gostasse mesmo muito. Sim, claro, morreram pessoas que eu conhecia, umas melhor que outras, que lamentei, que me causaram pesar e tal, mas morrer alguém que me fizesse mesmo mossa no coração, que me abrisse um buraco cá dentro, nunca me tinha acontecido até muito recentemente, e vejo agora quanta sorte tem sido a minha, e que agora se acabou, com a morte de um amigo que me fez perceber um bocado melhor o que é isso de nos morrer alguém e o que é isso de ter saudades de alguém que deixou de existir.

A amizade é uma coisa muito gira, porque toca-se no amor em muitos aspectos, não é? Em relação a muitas coisas, é igual. É talvez consumada de maneira diferente, mas o bem que desejamos a alguns amigos, o bem que nos faz estarmos com eles, não é assim tão desvalorizável em relação ao amor. Acho eu. Depois, aquela sensação mágica que temos em relação a certas pessoas, que podemos ter conhecido nem há cinco minutos e que percebemos no mesmo instante que a amizade sempre esteve lá, apenas não nos conhecíamos, e que os laços são tão fortes que são mesmo para a vida toda, até que a morte nos separe.

Tenho muita sorte porque consigo aqui puxar pela cabeça e lembrar-me de várias pessoas na minha vida a quem estou ligada por estes laços assim. Que já eram meus amigos e amigas desde sempre, muito antes do momento em que se sentaram à minha frente numa secretária para trabalharmos juntas, muito antes de nos juntarmos às 3.ªs e às 6.ªs Feiras para fazer um espectáculo de teatro, muito antes de sermos apresentados na rádio local, muito antes de eu ter nascido. Muito antes de muitos acontecimentos que apenas foram as circunstâncias que nos permitiram descobrir e vivenciar uma amizade que sempre existiu.

Não sei se é sorte ou falta dela, mas esta semana estou a descobrir coisas, sentimentos que não conhecia, dos quais apenas tinha ouvido falar. Desconhecia que podia ser assim. Não sabia que a nossa cabeça continua durante muito tempo sem conseguir compreender uma determinada realidade mesmo que ela apareça crua na frente dos nossos olhos, mesmo que falemos dela conscientemente todos os dias. Já tinha ouvido falar do vazio da perda, mas não sabia que isso era na verdade um enorme silêncio que nada consegue preencher, já tinha ouvido falar em saudades, mas desconhecia que isso fosse afinal uma tão grande escuridão interior.

É bonito dizer que o nosso amigo estará sempre vivo nas nossas recordações, nos nossos corações. Mais difícil é falar da parte de nós que morreu com ele. Contudo, parece-me ser tão verdadeira uma como a outra. Tive tanta, tanta sorte em tê-lo conhecido, que chega a ser igualmente uma sorte e um privilégio ter agora morrido um bocadinho com ele.