Hoje houve greve outra vez. Houve quem fizesse e quem não fizesse, há
quem continue a acreditar na greve como uma boa forma de chegarmos a algum lado
e há quem ache que esta é apenas uma maneira de marcar passo sem sair do mesmo
sítio. Respeito a decisão de cada um, que isto é apenas a
democracia a funcionar, e ainda bem que assim é. Não é disso que me apetece
falar.
Concordo que os motivos para protestar são mais que muitos,
mas sobre isso também não tenho nada de novo ou interessante para dizer, e nessas circunstâncias, mais vale ficar calada.
A minha perplexidade conduz-me por vezes a outras reflexões. Vivemos
tempos muito desorientados. É sabido que pertencemos a uma época histórica onde
a incerteza face ao futuro é um dado adquirido, mas a verdade é que isso hoje
em dia atinge um extremo tal que compromete a vida do nosso dia-a-dia. Será que
posso fazer planos para daqui a três anos? Quais três anos, será que posso
fazer planos para o ano que vem? Mas como assim, para o ano que vem? Que
novidades terei eu hoje à noite que poderão pôr em causa tudo o que projectei
até ao final deste mês?
Provavelmente, estas são angústias em que muitos se revêm.
Aliás, o que vejo e oiço nas notícias diariamente leva-me a acreditar esta é
uma desorientação generalizada a toda a gente e isso, meus amigos, é que me
mete um medo do caracinhas. Quando digo toda
a gente falo das pessoas, pessoas de carne e osso que compõem o “povo” e a
“classe média”, das pessoas que compõem os “empresários” e os “patrões”, das
pessoas que compõem o “governo” e a “oposição”. Até das pessoas que compõem a
“troika” e os “mercados” e a “Merkel”, porque afinal, por muito que a gente se
esqueça disto (e como é fácil a gente esquecer-se disto), estamos sempre a
falar de pessoas – até mesmo a Merkel, até prova em contrário, é uma pessoa. E
todas estas pessoas, especialmente aquelas que era suposto saberem o que andam
a fazer, parece-me que andam todas desorientadas, sem terem a mínima ideia de para onde é que tudo
isto caminha. Ou seja, para onde é que caminhamos todos.
Não tenho conhecimentos suficientes de economia, de política
ou de finanças para sustentar uma opinião sobre esta crise, se ela é ou não substancialmente
diferente de outras crises vividas no passado. Mas o bom senso diz-me que as soluções a encontrar têm que ser
ajustadas ao período histórico em que estamos. E a sociedade, a conjuntura
económica, com toda a certeza, não é a mesma da que foi vivida noutros períodos de crise. Se o único casaco que tenho hoje para
vestir for aquele que tinha em 1982, quando tinha dez anos, não é preciso ser
muito esperta para perceber que vou passar frio, porque o casaco já não me
serve.
Julgo que isto também se aplica às formas de protesto social,
se não estiverem ajustadas no tempo, para que servem elas? Por isso o meu
pensamento a cada nova greve é sempre este: greve? Nos nossos dias? Sim senhor
é para protestar, está bem. O (des?)governo lá tomará conhecimento do descontentamento.
As pessoas sentirão que ao menos fizeram alguma coisa, que não se conformaram
às aparentes inevitabilidades. Mas, e depois a seguir? Nos dias de hoje, fazer
greve é para combater e modificar que circunstâncias? Para afectar que
entidades? Para influenciar o quê? Para produzir que resultados? Não consigo
responder, e sinceramente, ainda ontem ouvi um dirigente sindical a falar na
televisão que também não conseguiu.
Ah, mas eu tenho a certeza que tenho poder. Cada um de nós ,
aliás,tem imenso poder. E sem dúvida que se formos capazes de juntar o poder individual,
ganhamos todos um poder de influência que de outra forma não temos, claro que
sim. Como diria o outro, é só fazer contas. O poder do voto, pois sim, falemos
desse. Mas falemos também de um outro poder, que exercemos todos os dias, quase
tão constantemente quanto respiramos: o poder do consumo. O dinheiro que todos
os dias entregamos nos mais diversos sítios e que faz o mundo girar, como tão
bem cantava a Liza Minnelli. Afinal, se o que move o mundo é o capital e o consumo,
aquilo que decidimos consumir ou não consumir é o que faz tocar as bandas todas, não é? O que
acontecia ao mundo se por trás de cada acto de consumo estivesse uma
consciência cívica? Por exemplo, um gajo que não pague estacionamento numa zona
tarifada é multado e está lixado. Então, e se ninguém pagar? Sistemática e generalizadamente,
quero eu dizer. O que é que acontece? E nos transportes? E nos combustíveis? E
nos diferentes artigos à venda nos supermercados? E nos bancos? Não me entendam
mal, eu não estou a falar de anarquia. Pelo contrário, estou a falar de
organização.
Sei que não sou de todo a única a ouvir cada vez mais ao
longe os sindicatos e os partidos políticos. Falam uma linguagem que pouco ou
nada me diz, vivem lá no seu mundo, eu vivo no meu, o que até seria uma boa
maneira de vivermos todos se o que eles por aí falam e fazem não acabasse por
influenciar a minha própria realidade, quase sempre de forma que não me agrada.
Fico a questionar-me, por onde andarão as associações de consumidores? Será que
em algum momento tomarão consciência do poder e influência que podem vir a ter?
Poderá toda esta linha de pensamento ser fruto de uma desorientação individual, e nada disto faça sentido. Mas termino concordando com as palavras de Estrela Serrano, quando diz que há "matéria para repensar tudo o que tínhamos por adquirido".