Eram unha com carne. No caminho para a escola, sentadas lado a lado nas aulas durante anos, no recreio, nas horas livres, as melhores amigas desde sempre.
Depois, é claro, veio a vida. A adulta, bem entendido, que antes dessa também de vida se tratava. E daí, talvez não fosse.
Será que se pode chamar vida àquele planar inconsciente pelos dias, pelas estações do ano, em que quase nada era exigido, todos nos protegiam dos males do mundo e por isso o pior que nos podia acontecer era sermos enfarinhadas pelo Carnaval. Será que se pode chamar vida a uma existência em que tudo o que interessava era que ao fim-de-semana havia desenhos animados e tortas com creme (e nunca mais, nenhuma terá o sabor que aquelas tinham), e o bife com batatas fritas já vinha cortado e sabia ao amor com que nos era posto no prato. Vida seria, mas numa estranha forma, porque a simplicidade do mundo era o desconhecimento do mundo, e por isso é que, necessariamente, quando se alcança uma coisa perde-se a outra, afinal não é preciso ler a bíblia para ficar a conhecer a história de Adão e Eva, olhe-se para uma criança e lá estará.
Onde isto nos levou, onde nos levará. Falava-se de duas amigas de infância, as melhores do mundo, que à medida que o foram descobrindo, se foram afastando. Esta é afinal a mais banal de todas as histórias, repetidamente acontecida na vida de qualquer um de nós.
Reencontraram-se estas amigas algures no tempo, e no olhar de ambas uma alegria genuína pelo reencontro, mas também uma certa amargura por tudo o que já não existe. Veio à memória o tempo em que tudo era simples, porque quase nada se sabia, apenas as letras das canções das doce, cantadas nos intervalos para toda a escola ouvir. As duas amigas inseparáveis permanecem nesse tempo, nessa vida, não nesta.
Nesta vida, a adulta por assim dizer, resta apenas a conversa de circunstância. Pergunta uma, no que é que trabalhas, e a outra responde, não trabalho, tenho filhos. E pergunta a outra por sua vez, já tens filhos, e a resposta é que não, tenho um trabalho. Nesta vida de gente crescida, estas duas mulheres já não têm nada em comum.
Mas não façamos da vida adulta a grande culpada de todos os males. Existe, ainda assim, a vontade. O livre-arbítrio. Foram este e a falta daquela os verdadeiros responsáveis pelo fim da amizade que, a dado momento, se deixou de cultivar. Não se colhe aquilo que não se semeia.
Quando nos pomos a pensar nisso, vivem-se muitas vidas pela vida fora. E encontram-se muitas pessoas diferentes, por vezes várias dentro da mesma pessoa. Começando em cada um de nós, todo o mundo é composto de mudança.
4 comentários:
SEU BLOG É MUITO BOM E VOCÊ ESCREVE MUITO BEM VALEU VOLTAREI!
Obrigada Veloso, volte sempre!
Bonito...
Blimunda, adorei seu blog e particulamente esse texto.
Enviar um comentário