A questão essencial é que voltei à escola e a semana que passou foi a primeira de aulas. Um mestrado há muito desejado, demasiadas vezes adiado e agora, finalmente, encarado de frente, para levar até ao fim.
A outra questão essencial é que voltei a estudar, não na minha querida Faculdade de Letras, mas numa outra Universidade nas imediações, o que significa que, não só voltei a estudar, como voltei a estudar regressando praticamente ao mesmo espaço geográfico, na Cidade Universitária, que me é muito querido e que, às vezes sem que eu me dê conta ou lhe dê o devido valor, na verdade me tocou muito fundo no coração.
De moldes que andei nisto de me deslocar para a Cidade Universitária, vivenciando esta coisa da geografia das emoções, a saber, que chegando nós a um espaço ele nos faz lembrar de coisas há muito esquecidas, e por isso o meu cérebro tem-me oferecido memórias de amigos que nunca mais vi, pormenores distintos de episódios passados nos corredores, nos bares, nas bibliotecas, enfim. Boas recordações.
Porém surgiram outras emoções também. As aulas iniciaram esta semana para todos. Eu, de dentro do meu carro, parada no trânsito e atrasada para chegar ao destino, vou olhando com algum paternalismo para os caloiros de cara pintada e os supostos alunos seniores trajados a rigor, tudo na rua, bebendo cerveja, dizendo e fazendo disparates. Eu passo e o meu cérebro faz-me pensar, porra. Sim, porra pode ser o resultado de um pensamento perfeitamente lógico e dedutivo. Porra, pensava eu. São todos tão novos. Parecem crianças. Não, são mesmo crianças. Então, passo à frente da Faculdade de Letras e fico com uma sensação estranha de que algo não bate certo. Mas o quê? Ah, já estou a ver. O que me causa estranheza são aqueles miúdos pequenos que estão a subir as escadas para entrarem na minha Faculdade. E aqueles outros recém-nascidos além que estão a sair de lá de dentro. Eles entram e saem e parece que vieram todos só fazer uma visita de estudo para cá voltarem um dia, quem sabe...
Um pouco mais à frente vejo edifícios novos que antes não existiam, parques de estacionamento gigantes a pagar (ladrões!) e digo de mim para comim, tem lá calma contigo, mal seria se tudo estivesse exactamente igual ao que estava quando para cá vieste a primeira vez, há... há...
E foi nesta altura que o meu cérebro, literalmente, me deu um murro no estômago. Quando me deu a noção exacta de que o meu primeiro ano de Faculdade foi há vinte anos atrás. Porra.
É claro que outras partes do meu cérebro começaram logo a tagarelar (o nosso cérebro em auto-defesa também é uma coisa muito gira). Então e isso que tem, nem é tanto tempo assim, quantos não passaram por cá também e nunca voltaram, teres esta força de vontade é sinal de vitalidade e até de alguma juventude, e todo um enorme blá, blá, blá, que entretanto, infelizmente, deixei de me conseguir ouvir porque já ia a pé a caminho da escola e passava por mim um cortejo de meninos do infantário, encabeçados por uns miúdos da primária vestidos de negro, que faziam todos muito barulho.
De maneiras que passei esta primeira semana muito contente, sem dúvida, mas também a sentir-me, julgo que pela primeira vez na minha vida, verdadeiramente, incomensuravelmente, velha, velha, velha.
A questão essencial desta semana resume-se afinal a isto: vinte anos. Porra.