Primeira noite. Janelas abertas, que a noite estava quente. Lá fora, apenas o ruído dos grilos cortava o silêncio, todo o espaço ajardinado envolto em calma e paz, convidando ao descanso. As pálpebras começavam a pesar e os pensamentos sucumbiam lentamente ao som dos grilos, quando de repente: Miau. E logo a seguir, outra vez: Miau. E de novo: Miau. Miau. Miau. E pela noite fora assim foi, até que o cansaço acabou por vencer e até os miaus serviram para embalar o sono.
Na noite seguinte, à chegada à hospedaria já depois do jantar, de novo os miaus se faziam ouvir, tristes, lamentosos. Ora eu no que toca a gatos, sou uma sentimental. Quando o dono do estabelecimento me disse que o miau vinha do topo de uma árvore frondosa, comecei a lacrimejar. Então o pobre bichano estava encurralado no topo da árvore desde a noite passada? Um gatinho pequenino sem capacidade para se defender, coitadinho, provavelmente sentindo falta da mãe e dos restantes irmãozinhos, prestes a sucumbir ao pavor, à fome e à sede? Ajoelhei aos pés do estalajadeiro e supliquei clemência para o bichaninho que, no topo da árvore, continuava a cortar a noite com os seus miaus cada vez mais angustiados, sobretudo porque a luz da lanterna devia estar a incomodar-lhe os frágeis olhinhos.
Ok, talvez esteja a dramatizar um bocadinho. Não me ajoelhei nem supliquei, mas devo ter feito uns olhos semelhantes ao do gato das botas no Shrek e o dono da hospedaria foi gentilmente buscar uma escada para tirar o gato da árvore. Ou isso ou levou em consideração que eu não parava de miar ao gato para ele responder, pelo que começava a perspectivar-se uma noite negra em que, já não bastaria ter um gato a miar, quanto mais um gato e uma mulher maluca, os dois a miarem ao desafio. Enfim, fosse por pena do animal, fosse apenas para evitar que os outros clientes, na manhã seguinte, começassem a procurar alojamento noutro sítio, o senhor lá subiu ao escadote para salvar o gatinho da morte certa.
Mal lhe tocou com a ponta dos dedos, o bichano literalmente voou da árvore abaixo, desatando a correr pelo relvado e fugindo pelo portão para a rua, o que me deixou sinceramente aliviada pelo gato finalmente liberto, mas também um pouco na dúvida sobre a sua real incapacidade para sair da árvore quando bem lhe apetecessse. Já o dono da hospedaria parecia não ter dúvidas nenhumas. Fiquei desconfiada disso por conta de um certo enfado na voz quando me disse, Vou arrumar o escadote, boa noite e até amanhã.
Enfim, eu estava contente e mais descansada. Fui para o meu quarto feliz com o desfecho do episódio. Quando me deu o sono deitei-me e dormi, desta vez apenas embalada pelo som dos grilos.
Seria talvez uma hora da manhã quando acordei de novo. Os grilos tinham-se calado.
- Miau.
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