quinta-feira, dezembro 05, 2013

Da revolução

Recordo a visão de duas linhas paralelas que me deixaram à deriva de mim. A revolução começou aí mas já tinha começado antes, como sempre acontece com tudo o que se manifesta em nós, ou perante nós, em algum momento começou e nem ligámos, estávamos ocupados com outras coisas que julgávamos mais importantes. Levamos a vida enganados e nem sempre sabemos que nada sabemos.

Recordo um dia em Lisboa com uma fila de trânsito tão gigante que ia de uma ponta à outra de todo o meu mundo e me obrigava a parar, a parar, e que teimava em não me deixar chegar onde eu julgava ser o meu destino. O destino afinal estava certo, apenas não naquele dia. Mas em cada pára-arranca havia uma dor a dilacerar-me por dentro, perdida, tão perdida que eu andei, à procura de mim própria e sem me encontrar em lado nenhum, nem no que já não podia voltar a ser, nem no que a revolução me transformara já, mesmo enquanto a recusava e tentava deitá-la no lixo.

Recordo o medo, não há revolução que não o traga consigo, acho eu. Recordo uma jorna que afinal não era para mim e por causa disso, num segundo toda eu era medo da revolução que já era, no segundo a seguir toda eu me tornei medo que a revolução deixasse de me ser. Vejo agora quanto de mim gastei a ter medo, e disso me arrependo para o resto dos meus dias.

Recordo o silêncio que impregnou as folhas das árvores que estão no lugar das conversas difíceis. Gemeram baixinho à medida que a revolução passava por elas e depois se calaram para sempre. Outras vozes se fizeram ouvir, nos lugares das conversas dos afectos, no calor das mãos que se agarraram às minhas, nos passos que me acompanharam pelos caminhos. Foram essas as vozes que não me deixaram perder os pontos cardeais do que sou, nem permitiram que a revolução me fizesse abismo, ou o silêncio me fizesse rancor.

Recordo os olhares tristes dos prenúncios da morte, uma vez, depois outra, depois outra, até à sentença final que já se fazia anunciar e então nada mais restou do que um corredor comprido feito de todos os estágios da dor que se encontram identificados, mais todos os outros que ainda ninguém foi capaz de pôr por escrito, porque para tanto ainda não houve conhecimentos ou coragem. Percorri-o até ao fim sem pretensões de heroísmo, não vejo mérito na inevitabilidade. Cheguei ao outro lado sem ponta de mim própria, esvaída de tudo menos de perguntas, órfãs de destinatário e é claro, de respostas.

Recordo enfim o pensamento de que a revolução cessara e de que tudo fora, afinal, em vão. Não é verdade. A revolução abalou, trespassou, demoliu, não deixou pedra sobre pedra. Mas o ground zero em que me tornei é agora o espaço onde me reconstruo, num processo duro e doloroso, próprio do nascimento, que afinal acontece muitas e muitas vezes ao longo de toda uma vida. A revolução continua no que vier a tornar-me por causa dela.

Da minha filha que não chegou a nascer.

domingo, maio 19, 2013

De madrasta a madrinha

Esta é uma história de amor. E todas as histórias de amor merecem, mais tarde ou mais cedo, que venha o mundo a conhecê-las, não por vaidade de quem as vive, mas apenas porque de desgraça e miséria já todos andamos fartos, e temos por isso obrigação de apontar o dedo às coisas bonitas e boas que sempre sucedem, e que tantas vezes teimamos em não ver.

Há coisa de dois anos atrás, chorava assim a dor de uma separação que parecia inevitável, indo naturalmente a reboque de outra. Só que não foi isso que aconteceu.

Menosprezamos muito as crianças, nós, arrogantes adultos. Devo a este meu amigo para a vida o não se ter conformado com a aparente inevitabilidade de nunca mais me encontrar. Recusou-se, o fedelho, a perder-me o rasto, e com dez anos de idade veio no meu encalço para me dizer que tinha saudades. E eu também as tinha, tantas. Não tinha era a coragem que ele teve. Então, juntaram-se vontades e ultrapassaram-se barreiras para que pudéssemos continuar amigos, pois se isso dava alegria a todos.

É redundante dizer que este é um menino especial, todos o são, aos olhos dos que tenham a sorte de estar por perto a olhá-los. Este para quem eu olho, é mesmo muito determinado, e estava hoje imensamente feliz, porque conquistou algo que para ele tem uma grande importância.

Eu não compreendo que razões levam um pré-adolescente dos dias de hoje a fazer tanta questão de ser baptizado. Nada me diz essa instituição chamada Igreja Católica, onde ele hoje me levou, para participar num ritual onde são ditas coisas que nem consigo ter palavras para classificar. A igreja fala uma linguagem que eu não compreendo. Mas julgo que compreendi desde o início a linguagem dele, no laço que ele quis estabelecer comigo, através deste ritual do baptismo.

Poderá dizer-se que fui bastante hipócrita perante os crentes, aceitando um papel de destaque numa casa que não é minha, ainda para mais carregando tanta objecção de consciência a tudo o que por ali se passa.

Porém, acredito que nesta história de amor tão bonita, em que passei de madrasta a madrinha, fala-se numa linguagem que Deus, se existisse, certamente iria compreender.

quarta-feira, maio 01, 2013

A minha carta para o Tiago Bettencourt

(Vamos passar à frente o facto de estar há meses sem publicar aqui nada? Vamos. Até porque na verdade ninguém está ralado com isso, nem sequer eu).

Meus amigos, concorri ao passatempo da Rádio Comercial para ir ao concerto mais pequeno do mundo com o Tiago Bettencourt, de quem sou grande fã e groupie em espírito (não posso ser mais do que isso, tenho que trabalhar para viver), e o impossível aconteceu: não fui seleccionada.

O passatempo pedia que escrevêssemos uma versão alternativa da "Carta", o que fiz de forma entusiasmada, mas cujo resultado final parece afinal ter sido sobrevalorizado. Por mim, claro está.

Como não tenho mesmo vergonha nenhuma na cara, aqui fica o que remeti para concurso mas que, infelizmente, não me deu direito a ficar ao colo do Tiago Bettencourt durante um concerto e a passar uma noite com ele num hotel. (Hã?... como assim, nunca seria exactamente isso?...)

Bem, aqui está a minha versão da "Carta":

Não falei contigo
Com medo de não me sair nada de jeito
E de cair aos teus pés…

 
Acredito e entendo
Que toda a gente queira mais ou menos
O mesmo que eu
Um lugarzinho no concerto...

 
Vontade é o que vai
Aumentando a toda a hora
De cada vez que te oiço
Na Rádio Comercial

Mas sinto que sabes que se chegar a estar no Acústico,
Também vai ser bom para ti
E mesmo que não seja….
Para mim vai ser de certeza.
 
É que hoje acordei e lembrei-me
Que imaginação é coisa que não me falta
E posso pôr tudo numa folha de papel
Nela viajo para as Caldas
Para as Caaaaldas,
Para ver o Tiago Bettencourt!....

Desconfio que ainda não reparaste
Que estou mesmo disposta a levar isto por diante
E a garantir o meu lugar
No Concerto Mais Pequeno do Mundo.
E que para isso não me importo mesmo nada
De destruir uma canção tão bonita como a Carta,
Mas o que é que queres,
Foi o que mandaram a malta fazer.
 
Anseio o dia em que vou pôr os meus pezinhos
No SANA Silver Coast das Caldas da Rainha
É que o programa é mesmo perfeito.
Já sei as músicas todas de cor, aliás
Vou ter que fazer um esforço para me controlar
Não dar barraca e ser chata para as outras pessoas.

É que hoje acordei e lembrei-me
Que imaginação é coisa que não me falta
Que posso pôr tudo numa folha de papel
Nela viajo para as Caldas
Para as Caaaaldas,
Para ver o Tiago Bettencourt!....
No Concerto Mais Pequeno do Mundo.
 
Desculpa se suspirar muito alto
Quando cantares o "Caminho de Voltar"
Ou o "Chocámos tu e eu"
Mas isso são coisas que eu cá sei
 
Desculpa se a Rádio Comercial
Fizer o disparate de não me seleccionar
Logo a mim, que passo a vida a partilhar
As tuas músicas no facebook...
 
É que hoje acordei e lembrei-me
Que imaginação é coisa que não me falta...
 
Nela viajo para as Caldas
Para as Caaaaldas,
Para ver o Tiago Bettencourt!....
No Concerto Mais Pequeno do Mundo.

Agora que isto está despachado
Tenho que te confessar uma coisa
Agora que isto está despachado...
 
Estou bastante convencida
Que tens covinhas por baixo da barba.
É uma ideia que eu tenho...
É uma ideia que eu tenho...

... E é isto. Então até daqui a cinco meses, sim?...