segunda-feira, setembro 17, 2012

Elisa, filha de ninguém #2/7

De quem és tu filha? Eis a pergunta que se impõe e nos coloca de novo frente ao portão que dá acesso ao quintal, uma pergunta que nos devolve à história que já tarda em ser contada, e que afinal, se calhar, é acerca de coisas que mudam e de coisas que ficam sempre na mesma.

Recordemos então as duas irmãs que em tempos a habitaram, e que por ser bem sabido de todos de quem eram elas filhas, nunca foi preciso perguntar. A Maria e a Elisa, no seu tempo de solteiras, dormiam juntas em colchão de palha, num tempo que, pela via das maravilhas da ciência e da técnica, não está a cem, mas antes a mil anos de distância desta realidade que foi a dos nossos avós e bisavós. Igual em todos os tempos será talvez a preocupação de um pai com as suas filhas, a sua vontade de educá-las o melhor possível, corrigi-las quando assim tiver que ser, protegê-las de tudo, do mundo inteiro e até mesmo, quem sabe, delas mesmas. Iguais serão também as crianças e os jovens desde sempre, a sua curiosidade pelo desconhecido, a sofreguidão pela vida, o seu modo ansioso e intempestivo de descobrir o mundo, de descobrir-se no mundo, de amar e ser amado. E se nesta sofreguidão por vezes acontecem erros, enganos, maus actos, também isto é coisa que sempre foi assim e sempre assim será, quem nunca pecou, etecetera, sobre esta história já todos sabemos o que nos quiseram contar.

Neste modo de viver igual ao dos seus semelhantes, a Maria é também uma jovem comum, com pai e mãe, namora com o seu consentimento, e só aguarda que a família viva tempos mais abonados para que se possa casar, na lei dos homens e na lei de Deus, com o homem que escolheu. Aguardar sim, mas não para tudo e não para sempre, a verdade é que esta espera, de tão longa, foi insuportável para os dois jovens que tinham demasiada coisa para descobrir um no outro. Não esperaram, e aqui nos deparamos com outra banalidade igual desde que o mundo é mundo, mesmo no tempo em que era suposto e recomendado que se esperasse, a verdade é que poucos esperavam.

Durante meses, a gravidez da Maria foi coisa desconhecida de todos, menos dela própria e da sua irmã, Elisa. Encostada a ela toda a noite, sentia no próprio corpo a agitação do ventre alheio, e testemunhava em silêncio a existência daquela vida. A luz do dia dava-lhe coragem para a pergunta que se impunha, Estás prenha, e a resposta era sempre a mesma, Não estou, não estou, não estou.

Próxima publicação: 24 de Setembro

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