sábado, junho 26, 2010
sexta-feira, junho 18, 2010
1922-2010

Julgo já ter dito em momento anterior que no ano de 1988, para o bem e para o mal, me transformei eu na pessoa que sou hoje, e a isso não foram alheios os professores que me calharam naquele ano escolar, nem tão pouco os livros que na altura me pus a ler. Foi numa das muitas incursões que nessa altura fiz à biblioteca da minha escola que, aos 16 anos de idade, li pela primeira vez O Memorial do Convento.
Como quem roda a chave numa fechadura, aquele livro abriu portas dentro da minha cabeça que eu não sabia que existiam. Hoje, sentada aqui no meu escritório de casa, olho para a prateleira onde tenho perfiladas as obras do José Saramago que pela minha vida fora têm continuado a abrir-me portas e janelas na cabeça: Terra do Pecado (Romance); Os Poemas Possíveis (Poesia); Provavelmente Alegria (Poesia); Deste Mundo e do Outro (Crónicas); A Bagagem do Viajante (Crónicas); O Ano de 1993 (Conto); Manual de Pintura e Caligrafia (Romance); Objecto Quase (Contos); A Noite (Teatro); Levantado do Chão (Romance); Que Farei com Este livro? (Teatro); Viagem a Portugal (Crónicas); Memorial do Convento (Romance); O Ano da Morte de Ricardo Reis (Romance); A Jangada de Pedra (Romance); A Segunda Vida de Francisco de Assis (Teatro); História do Cerco de Lisboa (Romance); O Evangelho Segundo Jesus Cristo (Romance); In Nomine Dei (Teatro); Cadernos de Lanzarote I a V (diário); Ensaio Sobre a Cegueira (Romance); Todos os Nomes (Romance); Discursos de Estocolmo; O Conto da Ilha Desconhecida (Conto); Folhas Políticas 1976-1998 (Crónicas); A Caverna (Romance); A Maior Flor do Mundo (Conto); O Homem Duplicado (Romance); Ensaio sobre a Lucidez (Romance); Don Giovanni ou O dissoluto absolvido (Teatro); As Intermitências da Morte (Romance); As Pequenas Memórias (Memórias); A Viagem do Elefante (Romance); O Caderno (Blog); Caim (Romance). Olho para todas estas obras e pergunto-me se, por esta altura, já terão decidido ou não decretar o luto nacional. Arrisco-me a pensar que o próprio José Saramago daria pouco ou nenhum valor a tal decisão, vá ela num sentido ou noutro. Imagino-o a dizer aos senhores ministros que não se incomodem em reunir-se só por causa da simples morte de um escritor, ainda para mais quando, por este dias, têm tantas coisas importantes em que pensar.
Volto aos livros. Ao primeiro que li, O Memorial do Convento. Que reli vezes e vezes sem conta e que tantas vezes me fez rir e chorar. Recordo como me emocionei há uns anos atrás quando, no Palácio de Mafra, assisti a esta história contada em Teatro, essa mesma história que vi há poucos dias, numa Escola Secundária, representada por jovens alunos que ainda apenas puderam dizer as palavras, sem maturidade para compreender tudo o que elas significam. Mas lá chegarão, estou certa, assim não lhes falte a vontade que põe passarolas a voar.
Volto ao Levantado do Chão, que me ensinou coisas de um tempo que os meus olhos já não viram. Coisas de quando estivemos atirados ao chão e tivemos que nos levantar. Sim, é claro, é panfletário, o homem eram comunista. Pois era. Mas "se podes olhar, vê. Se podes ver, repara" (Ensaio sobre a Cegueira). A pensar pela minha cabeça, ouvi a história que o Saramago me contou.
Volto ao Evangelho Segundo Jesus Cristo, tal como os anteriores, colado na lombada com fita cola, páginas amarelas e gastas do uso. Ao Ensaio Sobre a Cegueira, assinado pelo próprio a 26 de Outubro de 1995, guardo-o com carinho, mesmo não sendo muito dada a autógrafos.
Já se sabe que mais tarde ou mais cedo todos morremos, e hoje morreu ele. Então eu acho que a maior homenagem que se lhe pode prestar é lê-lo, sem complexos de ordem política ou religiosa, sem puritanismos de linguística e de amor aos pontos e às vírgulas e aos travessões e aos parágrafos. Porque o que vai naquelas páginas é muito superior a tudo isso.
"Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la. Porém, se a não corrigires, não a alcançarás. Entretanto, não te resignes." (História do Cerco de Lisboa). Julgo que não se resignou ele, isso não se lhe poderá apontar. A sua herança, para todos quantos apreciem a sua obra, será talvez esta condição de não-resignação, mesmo que por vezes a resignação fosse o mais dócil dos caminhos.
Não falemos por isso da imortalidade da sua obra, do valioso património cultural que deixa a este País, da referência literária mundial que representa, ou outras eventuais palavras de peso, com todas as vírgulas nos seus devidos lugares (nada de maluqueiras à Saramago), que amplamente serão ditas pelos próximos dias afora.
Quanto a mim, prefiro recordar-me de mim própria com os tais 16 anos, sentada cá fora nos intervalos das aulas a ler o Memorial do Convento, deslumbrada com os mundos que tinha por descobrir. Prefiro falar das vontades.
"Dentro de nós existem vontade e alma, a alma retira-se com a morte, vai lá para onde as almas esperam o julgamento, ninguém sabe, mas a vontade, ou se separou do homem estando ele vivo, ou a separa dele a morte, é ela o éter, é portanto a vontade dos homens que segura as estrelas, é a vontade dos homens que Deus respira (...)" (Memorial do Convento).
Para o José Saramago
domingo, junho 13, 2010
Demasiado tempo entre mãos
sábado, junho 12, 2010
O vício, meu deus

PlayStation o quê? Vão-se lixar. Supaplex. Grande domínio.
domingo, junho 06, 2010
sexta-feira, junho 04, 2010
Do Alentejo profundo
Primeiro momento não sei quê:
Nós: para beber, queremos litro e meio de água...
Ele (com ar circunspecto): A questão é que só há garrafas de litro e meio de plástico...
Nós: Então, mas... por nós tudo bem...
Ele (explicando-se finalmente): Sim, mas por lei não podemos ter garrafas de plástico (novo ênfase no plástico, com ar ligeiramente enojado), só podemos ter de vidro, e de vidro a maior é de um litro...
Segundo momento não sei quê, já depois de adjudicada a garrafa de vidro de um litro de água:
Nós: Queremos o lombo de porco...
Ele (escandalizado): Lombo de porco? Mas nós não temos lombo de porco!...
Nós: Não tem? Mas ainda agora disse que havia, até está escrito na ementa e tudo...
Ele: Não, não, temos lombinhos de porco, não é a mesma coisa...
(e de facto, não é)
Terceiro momento não sei quê, com água em garrafa de vidro e dose generosa e de lombinhos de porco na mesa:
Nós: Podia trazer metade de um limão, se faz favor...
Ele (abana consternado a cabeça em negativa, como se tivesse acabado de lhe morrer um parente próximo)
Nós (já com medo do que é que ali vem, questionando-nos que alarvidade gastronómica teremos acabado de cometer, ao querer juntar limão aos lombinhos de porco depois de termos começado por os insultar tratando-os por lombos)
Ele (esclarecendo, de novo com um certo delay, a razão do seu desapontamento): Peço muita desculpa mas não temos limão, acabou-se...
Suspirámos de alívio e continuámos a comer, que a comida era maravilhosa. E o atendimento também, temos é que dar tempo ao tempo. Amanhã vamos lá outra vez!... :-)
quinta-feira, junho 03, 2010
quarta-feira, maio 12, 2010
Eu não ACREDITO...
Estou com verdadeiro e profundo ódio aos autores de Lost. Se é para matar toda a gente não vale a pena ver isto até ao fim, xiça!!!
domingo, abril 25, 2010
Todo o mundo é composto de mudança
Depois, é claro, veio a vida. A adulta, bem entendido, que antes dessa também de vida se tratava. E daí, talvez não fosse.
Será que se pode chamar vida àquele planar inconsciente pelos dias, pelas estações do ano, em que quase nada era exigido, todos nos protegiam dos males do mundo e por isso o pior que nos podia acontecer era sermos enfarinhadas pelo Carnaval. Será que se pode chamar vida a uma existência em que tudo o que interessava era que ao fim-de-semana havia desenhos animados e tortas com creme (e nunca mais, nenhuma terá o sabor que aquelas tinham), e o bife com batatas fritas já vinha cortado e sabia ao amor com que nos era posto no prato. Vida seria, mas numa estranha forma, porque a simplicidade do mundo era o desconhecimento do mundo, e por isso é que, necessariamente, quando se alcança uma coisa perde-se a outra, afinal não é preciso ler a bíblia para ficar a conhecer a história de Adão e Eva, olhe-se para uma criança e lá estará.
Onde isto nos levou, onde nos levará. Falava-se de duas amigas de infância, as melhores do mundo, que à medida que o foram descobrindo, se foram afastando. Esta é afinal a mais banal de todas as histórias, repetidamente acontecida na vida de qualquer um de nós.
Reencontraram-se estas amigas algures no tempo, e no olhar de ambas uma alegria genuína pelo reencontro, mas também uma certa amargura por tudo o que já não existe. Veio à memória o tempo em que tudo era simples, porque quase nada se sabia, apenas as letras das canções das doce, cantadas nos intervalos para toda a escola ouvir. As duas amigas inseparáveis permanecem nesse tempo, nessa vida, não nesta.
Nesta vida, a adulta por assim dizer, resta apenas a conversa de circunstância. Pergunta uma, no que é que trabalhas, e a outra responde, não trabalho, tenho filhos. E pergunta a outra por sua vez, já tens filhos, e a resposta é que não, tenho um trabalho. Nesta vida de gente crescida, estas duas mulheres já não têm nada em comum.
Mas não façamos da vida adulta a grande culpada de todos os males. Existe, ainda assim, a vontade. O livre-arbítrio. Foram este e a falta daquela os verdadeiros responsáveis pelo fim da amizade que, a dado momento, se deixou de cultivar. Não se colhe aquilo que não se semeia.
Quando nos pomos a pensar nisso, vivem-se muitas vidas pela vida fora. E encontram-se muitas pessoas diferentes, por vezes várias dentro da mesma pessoa. Começando em cada um de nós, todo o mundo é composto de mudança.
domingo, abril 18, 2010
A verdadeira revolução tecnológica
A sério. Com tanta tecnologia a germinar por aí e ainda ninguém foi capaz de se concentrar neste problema? Hein?...
Havia outra maneira de contornar a questão, era os exames realizarem-se realmente nas horas para que estão marcados, mas isso julgo que já é esperar demasiado do mundo em que vivemos. Venha de lá a tecnologia super avançada que não obrigue a gente a ir para lá aflitinhas.
E a ter que ir a correr para a casa de banho dois minutos antes de finalmente nos chamarem.
E a ter que voltar a emborcar água como se não houvesse amanhã para nova espera interminável que por pouco não resultava num remake do cenário anterior...
A vontade das mulheres em não terem que passar esta provação é tal que chega a gerar mitos urbanos: uma colega contou-me que ouviu falar de uma pessoa que conhece uma médica numa clínica que consegue fazer ecografias a mulheres não grávidas, sem que elas precisem de encher a bexiga.
Pois, pois. Por onde andará essa messias dos exames ginecológicos?...
domingo, abril 04, 2010
Superstar
"Everything's Alright" é mais um exemplo. Um Jesus apaixonado e sem ilusões. Um Judas comunista. E uma mulher a fazer o que as mulheres sempre fizeram pelo tempo fora: tentar que o mundo permaneça em equilíbrio. Para que tudo fique bem, quando enfim, na realidade, não está nem vai estar. Porque a vontade das mulheres também não chega.
Try not to get worried. E Boa Páscoa.
quarta-feira, março 31, 2010
Choque de gerações

... Deve ser isto. Quem são estes, ou estas, ou assim-assim? Hein? Uma palavra: porquê?
Mas no fundo compreendo, a sério.
Tempos houve em que achava que todos os homens lindos eram heterossexuais, incluindo estes:
E que queriam ambos casar e ter filhos comigo.
Só muito mais tarde vim a saber a terrível verdade e por isso tenho pena das pobres criaturas acampadas no Pavilhão Atlântico (e também tenho pena dos pais delas, mas isso seria outro post), ainda ofuscadas pelo volume e pelo gel fixante.
Mas ainda hoje acho o artista um excelente artista, atenção.
E sei as letras todas de cor.
quarta-feira, março 17, 2010
Trocas-te
A speaker prepara-se para anunciar um qualquer evento. Descobre naquele preciso momento que não sabe onde está, ignora que iniciativa é aquela, desconhece o nome das pessoas a quem irá passar a palavra e quando o tenta fazer, falando de improviso, fá-lo tão mal que ao tomar da palavra, a individualidade abdica do seu próprio discurso e do assunto que a trazia ali, para pedir desculpas publicamente pelo mau desempenho da speaker, assumindo a responsabilidade pela má imagem transmitida, em nome da instituição que representa. Acordei com suores frios, na noite em que sonhei isto. E suei frio ontem à noite quando vi este episódio, porque desgraçadamente, alguém passou na vida real por aquilo que - acredito -, seja o pesadelo de qualquer pessoa que faça apresentação de eventos.
Façam os juízos de valor que quiserem, quem os quiser fazer. Isto é mais ou menos como os acidentes de carro, só não os tem quem não conduz ou não anda de automóvel. Quem faz este trabalho não está livre, e não é assim tão improvável de acontecer.
Não sei se foi isto que sucedeu. Mas estou mesmo a imaginar as brincadeiras na fase de testes de som, os nomes que se dizem quando ainda não está ninguém na sala, eventualmente até algum excesso de confiança porque já se fez a mesma coisa tantas e tantas vezes, o diabo do piloto automático, no fundo...
Não conheço a pessoa de lado nenhum. Estou completamente a especular mas não acredito, de todo, na teoria da conspiração de que aquilo foi de propósito. A não ser que o speaker conjugue um ódio profundo ao Eng.º José Sócrates (Sócrates, Sócrates, Sócrates...) e, simultaneamente, um prémio no euromilhões na passada 6.ª Feira. De outra forma, quem por vontade própria faz aquilo no desempenho da sua própria profissão?
Agora, este episódio é paradigmático e semelhante ao que se costuma dizer dos jornalistas, de que quando estes últimos são eles próprios a notícia, algo vai mal. Também neste caso estamos perante um trabalho em que a perfeição está na invisibilidade. Se ficou bem feito, não existe. Se algo corre mal, aparece no Jornal da Noite.
Vão daqui umas palavrinhas de solidariedade a quem teve este grande azar. Eu por mim, não me consigo rir disto, porque só posso imaginar a aflição que deve ter sido. De resto, peço aos santinhos todos para que não me aconteça a mim...
quinta-feira, março 11, 2010
Duzentas mil!!!...
Já reflecti muito sobre o que fazer com este espaço, hoje em dia não tenho, de forma alguma, o mesmo tempo e a capacidade mental para me dedicar a ele que já tive e que gostaria de continuar a ter... Já pensei em fechar a porta aqui e abrir outra chafarica noutro lado qualquer, chamada "mulherdomedico.blogspot.com", ou assim (a sério, lembrei-me disto agora, se existe algum blog chamado assim, não sou eu), já pensei em desistir por completo, mas a verdade é esta. Adoro a blogosfera.
Sim, sim, o Facebook e não sei quê, também ando por lá, é giro e tal, do Twitter não percebo nada (embora a nível profissional tenha a certeza que não pode ser ignorado), mas este site mais simples do que pode haver, de layout despretencioso que eu nunca me dei sequer ao trabalho de mudar, esta possibilidade de estar aqui no conforto da minha casa a escrever aquilo que me apeteça, sabendo que nas próximas horas, nos próximos dias, gente do Brasil, dos Estados Unidos, por uma qualquer razão ou por razão nenhuma virão aqui parar e tomar contacto com o que eu tenho a dizer, e ainda por cima, poderem dizer de sua justiça, é algo que me agrada muito, muito. É extraordinário.
Tinha pensado, se tivesse tempo (que não tenho), recompensar os meus 200.000 leitores com algo de diferente, uns contos um pouco mais longos do que aqueles que aqui coloco sob o item "verdades ficcionadas". Quando dei por mim já isto ia em 200 mil e 300, e um desses contos que vai sendo preparado continua rabiscado e muito, muito pela rama. Ou seja, perdeu-se a oportunidade.
Dir-me-ão, então e não tens outros já feitos, a verdade é que sim, que os tenho. Mas também por outro lado, receio pelos plágios e de maneiras que a coisa vai andando mais ou menos assim. Pode ser que um dia destes esta chafarica traga algo de verdadeiramente interessante do ponto de vista literário. Ou não.
Para já, para já, era isto. Muito obrigada, do fundo do coração, e continuem à procura, olhem que há por aí uns blogues que são mesmo, mesmo bons, aliás, alguns deles estão já aqui indicados na barra da direita.
PS: Já agora, esta história do acordo ortográfico é uma bela merda.
domingo, fevereiro 28, 2010
38
"Bem sei que as meias solas que deitei
Nas botas aprazadas não resistem
À calçada do tempo que discorro.
Talvez parado as botas me durassem,
Mas quieto quem pode, mesmo vendo
Que é desta caminhada que me morro."
José Saramago, Os Poemas Possíveis
quarta-feira, fevereiro 10, 2010
Sinto-me perdida

Especialmente porque ainda não vi a Temporada 5. E portantos, estou perdida no sentido literal.
E perdida também por estes olhos negros, esta tez morena, o ar desalinhado, a barba por fazer e tudo e tudo de um modo geral neste indivíduo.
De maneiras que se matam o Sayid não sei o que faço a esta gente. Tou já a avisar. Não se metam com uma mulher quando todas as hormonas do seu corpo gritam "procria, procria, que os indianos é que têm bons genes!"
sexta-feira, fevereiro 05, 2010
Mas é que eu acredito mesmo nisto #2
Semanas de oito dias, já.
Como é que se faz uma petição no facebook para isto?
Mas é que eu acredito mesmo nisto #1
A Madeira assim governava-se com a própria receita e livrava-se dos erros catastróficos do País de origem. O Continente livrava-se da despesa. Não era bom para todos?
Como é que se começa uma petição no facebook para isto?
sábado, janeiro 30, 2010
Falar é fácil!...
Se calhar já não é novidade para muitos, mas eu só vi isto ontem à noite e fez-me rir à gargalhada. Um conceito muito bem pensado. :-)
quarta-feira, janeiro 20, 2010
Piloto Automático
Entro no carro, ligo o carro e desligo a mente. Só torno a ligá-la quando estaciono ao pé de casa. Tento pensar no trajecto e não me recordo de nada, é como se estivesse naquele filme em que o tipo tinha um comando e fazia "fast foward".
Durante aquele percurso, a cabeça vagueia pelo que foi, pelo que está para ser, pelos dias que faltam para o fim-de-semana, pelas histórias que vejo na televisão e pelas que quero eu inventar, em suma, pelos mundos que não cabem dentro do automóvel. No entretanto, só uma parte muito restrita do cérebro reage às luzes de stop e aos semáforos, mete mudanças, trava. E quando chego, olho para trás e não sei dizer nada daquele pedaço de tempo que passou por mim, sem que eu passasse por ele.
É certo que o caminho é curto (apenas 9 kms) e já se percorre diariamente há muitos anos. E é também verdade que vou muitas vezes muito cansada. Mas ainda assim, preocupa-me este modo de piloto automático em que caio quase sempre, e preocupa-me também o esforço de concentração brutal que tenho que fazer, para o combater.
Um dia destes ainda sou obrigada a acordar à bruta, é o que é. Uma coisa é certa: o carro não sabe o caminho sozinho.