sexta-feira, novembro 09, 2007

Post revisitado

Mais ou menos dois meses depois da criação deste blog publiquei isto, e hoje apeteceu-me trazê-lo de novo à ribalta. Na altura não tinha a média diária de visitantes que tenho hoje, e mesmo que venham os dedos em riste do costume chamar-me de cabra presunçosa, acho mesmo que o texto merece ser lido por mais gente. Aqui está ele:

Emancipação

Quando casou ia virgem.
Hoje em dia mantém apenas uma união sem factos, e um dia-a-dia feito a pensar nos outros. Vive num lugar que entende a infelicidade e a abnegação como coisa natural e própria da condição feminina. Aos olhos dos que a rodeiam tem um bom marido. Tem trabalhado toda a vida pela família e vem sempre dormir a casa.

Não interessa que regresse sempre bêbado. Não interessa que não a acompanhe em nada. Que a envergonhe. Não interessa. E a bem da verdade, também já nada disso lhe interessa, essa ferida há muito tempo que secou. Muito gostava ela de o ver pelas costas. Mas ele ali está, estendido no sofá da sala da casa que o pai e a mãe lhe deram. Na casa que é dela, mas que ele não deixa, se calhar porque não tem para onde ir.

As filhas estão criadas, bem casadas, deseja-lhes melhor sorte que a sua. Em momentos de desespero chegou a dizer que, no dia em que visse as duas fora de casa, sairia ela de seguida. Mas a casa é dela. A mãe ainda lá mora. E ela ainda não teve coragem de bater com a porta.

Está apaixonada. Um amor duplamente pecaminoso, que os compadres são o mesmo que família. Com mais de quarenta anos de idade, descobriu-se em prazeres que o marido nunca lhe soube proporcionar, na pressa de alcançar o seu próprio. Descobriu o afecto. O encanto. O cuidado. Este homem está disposto a tudo por ela, tudo. Excepto esperar para sempre.

A vida não pára. Não decidir é uma decisão também, e não há decisões sem consequências. Ela sabe. Sabe que se sair por aquela porta terá todo o seu mundo a apontar-lhe o dedo, começando pela mãe, com quem provavelmente não trocará mais nenhuma palavra até ao fim da vida. E também sabe que se ficar onde está, um dia destes não há ninguém à sua espera do lado de fora.

O cão veio cheirá-la, estranhando vê-la imóvel por tanto tempo. Levantou-se, são horas de fazer o jantar. Ouviu o vento lá fora a soprar.

Com a força do vento, o portão da rua não parava de bater.

7 comentários:

Cati disse...

Gostei, gostei mesmo muito!!!
Esta é a história de tantas mulheres neste país... ao menos esta sempre descobriu, ainda que na penumbra, que também há prazeres. E não são pecaminosos... pecado é renegar-se uma vida inteira satisfazendo caprichos a quem não merece.

Excelente.
Um enorme beijinho e...
BOM S. MARTINHO!!!

(Não és nenhuma cabra presunçosa por teres recuperado este post - mal seria se o não tivesses feito...)

Anónimo disse...

Gostei muito (como, aliás, de tudo o que escreve). A pressão social sobre as mulheres só merece um adjectivo: indigna. Era bom pensar que estas situações já não se passam na geração dos 30/40 de hoje, mas não é verdade, ainda hoje subsistem imensos motivos, alguns auto-impostos mas outros não, para manter mulheres (e alguns homens,vá) agarrados a casamentos infelizes.

Jasmim disse...

Também gostei muito do post, e ainda bem que o "recuperou". Às vezes é tão difícil decidir... gostei especialmente da parte que diz que não decidir também é uma decisão.

Carlos Lopes disse...

Primeira vez aqui. Belo texto. E, já agora, talvez um pouco à margem do que dizes quando escreves "Sabe que se sair por aquela porta terá todo o seu mundo a apontar-lhe o dedo, começando pela mãe, com quem provavelmente não trocará mais nenhuma palavra até ao fim da vida.", eu acrescento: quantas vezes não trocamos palavras, mesmo quando falamos?

Vou voltar. Obrigado.

redjan disse...

Bendita ... revisita ! Post do melhor, talvez a pedir no entanto uns quantos ' F ....-se ' de indignação e pena por um tipo de gente de merda que vive encostado em sofás e a nadas , que tem a eterna benção de um rebanho de zeros e inuteis que até de respirar tem medo !

Saia aquela mulher, largue o parasita, viva e faça viver, condoa-se da Mãe se não a seguir no caminho de vida ... mas saia com o tesão de ser gente ! Amanhã... nem ela estará à sua espera no outro lado da porta !

Anónimo disse...

Após muito pensar,decidiu sair daquele pesadelo.Precisava urgentemente de ser feliz.Despediu-se da mãe, que nem sequer olhou para ela.Ao marido,ignorou-o.Esse porco.Apenas fez uma festa ao cão.
Saiu, foi ter com o seu novo amor.Uma vida de nova esperança se avizinhava.

6 MESES DEPOIS

O novo marido, no princípio sempre gentil,deixou de lhe aguentar as neuras. Já não lhe ligava.Nem sequer a procurava para ter sexo, pois há muito que já não havia amor.Estava frustrada.Arrependida do passo que dera. Nem as filhas lhe ligavam.

9 MESES DEPOIS
Soube que o antigo marido vivia maritalmente com a sua própria mãe. Eram felizes à sua maneira.Ele era gentil.As filhas voltaram à casa que era dela.E ela sentia-se só e triste

12 MESES DEPOIS

Decidiu suicidar-se.Ao funeral só assistiu o cão. O melhor amigo do homem.

Anónimo disse...

Espera que tambem tenho um final porreiro...mto simples:

Uma bomba rebentou...morreram todos. FIM