sábado, janeiro 14, 2006

Campanha Eleitoral II

"ESCOLA DO ADRO

A malta que vinha à escola vestia ganga
comia um naco de boroa e uma sardinha
tinha tinta nos dedos e às vezes tinha
na cabeça uma doença chamada tinha.
Cheirava a fumo e a poeira dos caminhos
a minha avó dizia que era a raposinho
mas era a fumo e a bolor a tinta e a peido
um cheiro que já não há porque era o cheiro
do muito pouco em mil novecentos e quarenta e três
quando os automóveis andavam a gasogéneo
e aquela malta que vinha à escola
não tinha sapatos tinha chancas
às vezes tamancos e às vezes só pés.

Quando era Junho ou Julho aquela malta
depois da escola vinha para o rio
despia-se em frente das lavadeiras
«ai os grandes sacanas que já pintam»
diziam elas e riam-se e aquela malta
atirava torrões para cima da roupa branca
estendida a corar no areal.

Todas as manhãs se fazia a saudação fascista
mal o professor virava costas
começavam os manguitos e as caretas
daquela malta que não gostava de estender o braço
e punha a língua de fora para os retratos
de Carmona e Salazar na parede ao fundo.

Aquela malta que vinha à escola
não era malta para ser domada.
Talvez por isso o jeito que me ficou
de fazer manguitos pela vida fora."
Manuel Alegre
Rua de Baixo, 1990

1 comentário:

Anónimo disse...

Idem, com a eralidade de mais 20 anos, os pormenores são outros, o sentimento de quem viveu o antigo regime é o mesmo.

Difícil é fazer entender (já que sentir não dá) a esta malta tudo isto. Deus queira que não seja preciso (ou será que é) algo de mais grave, para que o pessoal abra os olhos.

Cuidado, acabou a censura, acabaram as prisões políticas,mas:

agora está mais refinado, há a informática, a mediatização, a sede pela vida privada, e umas coisas que são estrondosamente comuns, a promoção da estupidez, do desconhecimento patrocinado também pela cada vez menor qualidade de vida.

CUIDADO!