Às vezes os concursos para a Função Pública têm destas coisas.
Eram sete vagas para uma carreira de auxiliar, um salário relativamente baixo mas a garantia de estabilidade ao longo de um ano inteiro de trabalho, com boas perspectivas de continuidade. As candidatas foram às dezenas, tal como já se esperava. Feito o concurso, as sete primeiras seleccionadas e colocadas, eis que surge uma vaga para colocar mais outra. Numa escolinha no meio do campo, a meio caminho de atrás do sol posto.
Portadora de boas novas, vi a colega a ligar à oitava classificada. Que disse já estar empregada, ainda bem para ela, pelo que declinou a oferta. Passou-se à nona classificada. Que a escola era muito fora de mão, não lhe dava jeito nenhum, pelo que também preferiu não aceitar. Ligou-se à décima classificada, que rejeitou o horário, por não ser compatível com não sei o quê. Às tantas estávamos todas atentas a ver onde iria isto dar.
Seguia-se a décima primeira. Esta já conhecíamos. Tinha colaborado connosco noutras ocasiões, uma garota de vinte e poucos anos que a custo lá terminou o Secundário, ao mesmo tempo que se esfolava a trabalhar para garantir o sustento da família. Há uns tempos atrás apareceu-nos lá em desespero, só tinha trabalho ao fim-de-semana em regime de part-time como caixa de supermercado, se não tínhamos mais nada que lhe arranjássemos. Andava a caminho do hospital, deprimida, com acessos de pânico, tudo coisas que na verdade só precisavam do mais simples dos tratamentos: trabalho. Meios suficientes para viver condignamente.
Quando percebeu que ia ser colocada começou logo a chorar. Não questionou transportes, nem horário, só agradecia a quem lhe estava a ligar, como se a minha colega tivesse acabado de lhe salvar a vida. Às tantas chorava uma e chorava outra. E à volta, outras tantas galinhas tontas, que entretanto se tinham juntado a ouvir a conversa, fungavam discretamente e coçavam o canto dos olhos.
Há muitas maneiras diferentes de sair o euromilhões às pessoas.
17 comentários:
É bem verdade! Até me comovi. Um beijinho
Grande Post!!! Parabéns
VIVA OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS!
pelo menos, os que trabalham
Para quem quer trabalhar, há sempre emprego...
:)
São estes caminos tortos que por vezes nos levam tão a direito...
Parabéns pelo blog! Não conhecia e gostei!
Beijinhos!;-)
Obrigada, a lice, volte sempre!
Que raio de coisa! Propôr um emprego visto como uma dádiva magnânima e aceitá-lo como a suprema bem aventurança. Ainda há pouco perspassava nas dissertações dos pensadores, incorporava-se no espírito das leis, o direito ao emprego como um dos mais básicos. Se este já não o é, então quais nos restam? O direito à habitação? Nem por isso. À educação, saúde, reforma, segurança social? Talvez também não sejamos merecedores de tais dádivas. Resta-nos postar as mãos, cair de joelhos e, se for caso disso, arriar as calcinhas. E esperar que o sopro da compaixão, terrestre ou divina, nos bafeje.
Para o anónimo, embora goste mais dos que não são anínimos, também é verdade que os nomes escolhidos (vide o meu) são pouco mais que isso.
Passada a introdução, concordo consigo na génese, mas já Marx tinha a tal utopia, e sabemos todos muito bem a distância que vai entre o óptimo e o bom, e também quanto o primeiro é inimigo do último.
Ainda bem que nem todos passam por isso, mas posso garantir que a possibilidade de ganhar a vida, com a dignidade que o trabalho traz, é muitas vezes sentido como uma grande dávida, e esse sentimento só pode vir de quem está com muitos problemas e sofrimentos,podendo ainda os mesmos ser agravados, no caso de ser alguém consciente dos seus direitos.
Devemos todos, porque é nosso dever, continuar a lutar para que as pessoas não precisem de passar por este tipo de coisas, mas temos também a obrigação de respeitar e compreender quem se vê atropelado nos entretantos da vida.
Disse
E está tudo dito! A não ser talvez um simples toma e embrulha!
:-)
Marx e as suas utopias? Que anacrónico. Esse tipo disse o que tinha a dizer há mais de 150 anos. Nessa altura era utopia ter férias, horário de 8 horas, 2 dias de descanso semanal, idade mínima para trabalhar, salário mínimo, direito à reforma. Era utopia existirem partidos legais de origem operária, com a designação de socialista, comunista, trabalhista ou progressista, e estava para lá da utopia poderem formar governo, ganhar eleições. Se até as ditas eleições, universais, abertas a iletrados e mesmo a mulheres, não passavam de utopia…
Utopias de há 150 anos hoje são banalidades. Mas também nesses tempos, e durante toda a evolução da sociedade, existiu quem fizesse contra vapor, quem tentasse desmoralizar, desmotivar, afirmando que não vale a pena, pois tudo não passam de loucas e irrealizáveis utopias…
Caro Anónimo,
Anónimo que seja, estas suas intervenções têm-me feito lembrar muito algumas pessoas que conheço.
Sabe o que lhe digo? Que por muitas razões que assistam os seus argumentos (assistem-lhe algumas concerteza), lamento que no meio de tanta reivindicação, tanta socidade, tanta utopia, acabe por lhe escapar alguns aspectos essenciais desta história que aqui contei.
E que tem a ver com coisas muito mais simples do que aqueles slogans todos muito elevados que aqui deixou. Eu falava apenas dos indivíduos, suas expectativas, sonhos, vivências, sensibilidades, sentimentos e emoções, contava uma das muitas histórias que compõem o nosso dia-a-dia, e que no fundo são aquilo que realmente nos torna seres humanos.
Cada um tem o seu modo de ver o mundo, o senhor anónimo terá o seu, vale pelo facto de ser seu.
Com o modo de ver o mundo que é o meu só me resta opiniar que tanta preocupação com a sociedade, tanto proletariado, comunismo e socialismo, acaba sempre por se deixar de lado o indivíduo com aquelas coisas esquisitas que não se podem quantificar nem classificar, nem normalizar ou analisar de uma forma racional, e que verdadeiramente constituem a nossa humanidade. E isso passa-lhe tudo ao lado, são para si aspectos de somenos importância, coisa que só tenho a lamentar, porque mesmo que ache que não, fazem-lhe muita falta.
Sem essa visão do indivíduo, essas ideias de uma sociedade mais evoluída e do caminho mais certo para lá chegar têm todas muito valor, até mesmo bom aspecto quando vistas do lado de fora. Mas como não têm as pessoas do lado de dentro, são como uma bola de futebol, faz-se-lhe um furo, ela murcha e não serve para nada, porque até o ar que tinha lá dentro pôs-se a andar na primeira oportunidade.
Marx
Dizem os estudiosos e entendidos no assunto, que ainda não, e nunca vai estar esgotado.
Até à presente data, e perdoem-me alguma ignorância, a dita "utopia" em Marx prende-se com a sociedade sem classes.
Também para mim a "utopia" ou o "sonho" é que comandam a vida,e como disse o poeta (também à data, se celebra o seu centenário), e sempre que um Homem sonha....
Mas, entre sonhos e utopias a malta tem que almoçar...
Vejo que nos entendemos! A conversa foi iniciada ao nível de novela, ter levado com o Marx em cima foi obviamente um despropósito leviano. Agora que baixou ao seu nível natural, já cá não está quem falou…
Grande lata, se calhar é mais fácil mandar bocas para o ar, do que aguentar "o nível"...
Pois claro! O amigo anónimo só se esquece que o primeiro acto misericordioso para tentar subir o nível da conversa foi seu, falando de coisas tão elevadas como o direito ao emprego, habitação, educação, e em última análise, arriar as calças.
Agora pelos vistos já não lhe apetece conversar e acha que a conversa como estava de início era de baixo nível. Tem muita razão. De agora em diante já sabe ao quem vem, aqui esta sua amiga não tem capacidade intelectual para mais, a não ser para conversas de baixo nível a respeito das pessoas como elas são.
Já conhece este? Se calhar está mais ao seu nível: www.abrupto.blogspot.com
Aqui nesta chafarica já sabe, novelas e pouco mais. Um blog de gaja, é o que é.
A não ser que ache que temas como os acima mencionados continuem a ser de baixo nível e que o mesmo só suba verdadeiramente quando se fala de Marx. Não me admirava nada...
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