quinta-feira, abril 12, 2012

Eva Nascente. Um conto com banda sonora. #2



Homem, depoimento
O que se passou a seguir é muito fácil de descrever: não houve tempos mais felizes. Quando evoco essa época sinto um torpor de contentamento que ainda hoje me sustenta. A Eva entrou nas nossas vidas, na nossa banda, na minha cama, no meu coração. Cantava tão bem, foi apenas natural colocá-la como vocalista. As nossas canções ganharam outra alma, o público adorava-a. Todos a adorávamos. Era como se qualquer pessoa que a conhecesse ficasse irremediavelmente apaixonada por ela.

Eva Nascente, depoimento
Jamais imaginei que fosse assim. Vivi aqueles primeiros tempos com a sofreguidão de um recém-nascido. E no fundo foi isso mesmo que me aconteceu, eu que nunca nasci e jamais morrerei, pude com a minha decisão de me juntar aos homens ter essa experiência, a do nascimento. Foi por isso que atribuí a mim própria um novo nome: se antes era Eva sem ter nascido, depois de nascer tornei-me Eva Nascente. Eva Nascida? É claro que não. Eu, assim como todos os homens, depois de nascer uma vez nunca mais deixei de o fazer. Nascente, como a nascente dos rios, porque uma das coisas que descobri é que, a cada nova experiência vivida, nascemos daquilo que somos para ser aquilo em que nos tornamos.

Nesta minha condição pude experimentar sentimentos até então desconhecidos. A paixão. A alegria. O desejo. O amor. A angústia. A decepção. A lucidez. Quis e acreditei que eu também podia pertencer à espécie humana. Andava tão encantada nesta minha nova vida, que me parecia ser nada o que antes eu era. Olhava para o meu passado e parecia-me ter antes vivido num mundo de sonho, um sonho do qual tinha agora despertado, regressando finalmente à vida real. Olhava para o meu amor e via nele a razão de ser de tudo, o grande responsável por trazer à luz do dia tudo o que em mim se encontrava adormecido. Foi por isso coisa natural querer ajudá-lo no que pudesse fazê-lo feliz. Os homens não vêem bem certas coisas, nem mesmo usando óculos, mas eu entendi muito bem que quando ele sobe ao palco, a sua essência surge em todo o seu esplendor. Tocar e cantar, receber a admiração, os aplausos e a alegria de quem o ouve, em conjunto com os seus companheiros, eis como se consuma a sua existência. Quis ajudá-los neste processo de tornar essência em existência, contribuir para aquilo que o torna tão feliz. E convenci-me de que também eu tinha encontrado a felicidade eterna, acreditei sinceramente que era humana. Só que, no meu desejo de concretizar a essência dele, esqueci-me da minha, e humana não sou. Foi esse o meu erro. Não me arrependo de nada, mas reconheço que de todos os sentimentos humanos que pude experimentar, nem todos consegui suportar. Só mesmo um ser humano para ser esmagado pela dor, sofrimento, ódio, e mesmo assim, continuar vivo.

Próxima publicação: 19 de Abril

Sem comentários: