Olhou para o relógio. Ao fim de uma hora e meia de reunião continuavam no primeiro ponto da ordem de trabalhos. Suspirou. Pela janela via-se um sol esplendoroso, mas o frio que vinha do chão não enganava ninguém, e ao fim daquele tempo todo praticamente imóvel, já só não batia os dentes por mera vergonha.
O presidente da mesa passou a palavra a outro elemento, que também se achou no direito de dizer qualquer coisinha sobre aquele assunto. E ainda faltava passar a palavra a metade das pessoas presentes. Foi à casa de banho, na esperança de que no regresso, algum milagre tivesse sucedido. É claro que voltou e ainda estava a mesma criatura a falar, num tom monocórdico que só lhe dava era sono.
Deu consigo a odiar de morte todas as pessoas que usavam da palavra. Essa cambada de gente molenga, a quem tanto lhe fazia sair dali às seis, às sete ou às oito da noite. Esta cambada de inúteis não teria casa nem família? Seria ela a única pessoa na sala com vida própria? Mas porque é que continuavam a pedir licença a uma palavra para dizerem a seguinte e pior ainda, a fazer pausas entre palavras? E depois ainda havia quem quisesse voltar atrás para perceber melhor. Para perceber melhor! Mas afinal, quanto tempo mais é que aquilo ainda iria durar?
Enquanto sorria afavelmente para o orador da frente a assentia com a cabeça, controlava a o tédio e treinava a sua técnica de abrir ligeiramente a boca e fazer pressão com o maxilar, para disfarçar o bocejo. Imaginou como ficaria feliz se pudesse calar aquela boca que vomitava palavras sem interesse absolutamente nenhum. Um belo soco em cheio naquela boca mole, talvez fosse suficiente. Ou então não. O melhor era mesmo saltar para cima da mesa, armada de duas catanas, e cortar-lhe a cabeça de uma assentada como tinha visto no filme dos samurais em que entrava o Tom Cruise. De cabeça cortada calava-se de certeza, aquela lontra nojenta. Sorriu. Tomou mais umas notas.
Mas pensando bem, e já que se tinha imaginado com duas catanas na mão, porque não cortar também a cabeça do tipo que estava ao lado? Pelo arzinho dele, preparava-se para tomar a palavra e não a largar tão depressa. Não foi tarde nem foi cedo. Cabeça cortada, problema resolvido. E antes que mais alguém se lembrasse de dizer alguma coisa, decidiu pegar na sua caneta automática, que era também um isqueiro e uma arma de fogo de alta precisão, e começou a disparar. Aquela reunião tinha que acabar custasse e o que custasse, e estava nas suas mãos acabar com ela. Fuzilou todos um por um.
Quando terminou a carnificina restava apenas o presidente da mesa. Há que tempos que o andava a marcar, aquela barbinha por fazer, o rabinho bem feito, os modos galantes, o olhar de carneiro mal-morto que ele lhe deitava em todas as reuniões. Agora é que ela queria ver, se ele era homem para isso. Empurrou para o lado o cadáver do 1.º secretário, encarregue de fazer a acta, e puxou o presidente para si. Tendo em conta a delicadeza da matéria, sussurrou-lhe o problema que verdadeiramente a preocupava. Apelou para que ele o encarasse com firmeza e dedicação. Derrubaram todos os dossiers e lançaram-se com violência sobre aquele novo ponto da ordem de trabalhos. Debateram-no até à exaustão…
Foi o próprio presidente da mesa quem a trouxe de volta à realidade. Sobre o primeiro ponto da ordem da ordem de trabalhos, tem alguma coisa a dizer? Não? Então podemos passar ao segundo ponto…
Muito profissional, debruçou-se novamente sobre os seus apontamentos, agora com toda a atenção. A reunião continuava sem fim à vista. Mas pelo menos, já não tinha frio.
4 comentários:
Tudo vezes 38, salvando-se o Presidente da mesa e mais alguns, muito poucos.
Muitas pipocas, chocolates e canal playboy que a menina anda a consumir á palete...
SÓ CO A BOCA!
Uma óptima maneira de afastar o tédio de um reunião, realmente!
Mas está divertido;)!
beijinhos
;-)
;-)
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