É um livro que confirma o que já se vem verificando nos livros anteriores de José Saramago. Do meu modestou ponto de vista, a última obra de génio do mestre, até esta data, foi O Ensaio Sobre a Cegueira.
Este livro é muitíssimo interessante. Acho inquestionável que por trás do autor que criou a obra, está um homem que, pelos anos de vida que já conta, pelo seu modo de ser pragmático e descrente noutra vida que não seja esta em que vivemos, certamente vai pensando cada vez mais na inevitável morte que o espera. É curioso que tenha acabado com ela no final do livro, redimindo-a, se assim se pode dizer, e fazendo com que mais ninguém morra. Se calhar encerra-se aí o seu desejo mais profundo, que é o de todos nós, o de que os dias vão passando, um atrás dos outros, e a morte nunca nos bata à porta, porque por mais que aceitemos as evidências da física, da biologia, da experiência empírica, olhamos para dentro e sempre pensamos que não, que a morte não é para nós. Esmagados pela lógica, muitas vezes substituímos essa negação da mortalidade com um simples "ainda é cedo". Acho que é nessa fase que se encontra o nosso Saramago, que faz 83 anos no dia 16 deste mês.
Mas por outro lado, As Intermitências da Morte é novamente uma decepção. Ficam tantas pontas soltas pelo caminho, tantas ideias que podiam ser melhor exploradas e que são abandonadas à sua sorte, tantas questões relevantes apresentadas de forma inconsistente, a precisarem de serem esmiuçadas, esgravatadas até ao seu âmago, doa a quem doer. Foi a isso que ele me habituou nos seus livros, e foi com esses livros que eu deixei de ser o que era, para passar a ser outra coisa diferente. Este livro, tal como os anteriores, deixam-me na mesma, e tenho pena.
Não sei porque é. Se calhar, é apenas o facto de nenhum génio da literatura conseguir produzir sempre obras de génio. Sendo génios da literatura, não deixam de ser também simples homens e mulheres, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Será velhice? Será falta de paciência, falta de vontade, falta de tempo, será o quê? Se calhar nem interessa saber. O património cultural que este homem concedeu ao nosso País e ao Mundo é já por demais digno dos nossos agradecimentos. Se já não cria mais obras de génio paciência, a isso não está obrigado.
Muitos não concordarão com o que aqui deixo escrito. Muitos detestam o José Saramago e não compreendem sequer como alguém pode gostar de ler aqueles livros mal escritos, sem pontuação, intragáveis na forma e no conteúdo, quanto mais considerá-lo um génio da literatura! Para essas pessoas, o meu respeito. Há muitos escritores de excelência que eu não consigo ler.
Quanto ao Saramago, que já não é hoje o Saramago do Ensaio sobre a Cegueira, que não era o Saramago do Evangelho Segundo Jesus Cristo, que por sua vez não tem nada a ver com o Saramago do Memorial do convento, que estava já a anos-luz do Saramago do Levantado do Chão, sempre que tenha alguma coisa para dar a ler eu cá estarei, mesmo que os livros que agora me chegam às mãos já pouco tenham a ver com a Blimunda em que os seus outros livros me tornaram.
2 comentários:
Olá Blimunda.
Também já li, e tenho de discordar.
Adorei o livro, e admiro o facto de alguém com aquela idade ter a capacidade de escrever um livro com tanta imaginação, ironia, e frses tão geniais.
Pareceu-me que Saramago não quis fazer nenhum ensaio sobre a morte, mas sim uma história bonita sobre Ela.
Discordo apenas num ponto. O Ensaio sobre a Lucidez também é uma obra genial. Apesar de ficar distante da genialidade do seu original, consegue captar a atenção do leitor (neste caso, eu) do início ao fim) Sei que desde as Intermitências já sairam mais obras do José, mas fiquei na mesma que você. As Intermitências deixaram-me um pouco desiludido. Por isso, se já leu alguma das novas edições, passe pelo meu blog e deixe recado.
Com (ou coma) os melhores cumprimentos.
Vitor Ribeiro
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